Nos
últimos dias tem se travado um imenso e acalorado debate nas redes sociais
acerca da falta de medidas públicas em relação aos moradores de rua em meio a
uma das piores frentes frias dos últimos anos em diversas partes do Sul e do
Sudeste do país. O número de mortos por falta de acolhimento e tomada de
medidas por parte dos governos estaduais e municipais trouxeram à tona algumas
chagas que andavam bem escondidas por trás dos panos políticos.
Nesse
teatro que é a política nacional acabamos por comprar a ideia de personagens,
de fato nós crescemos sobre a cultura novelística de separar as figuras em
mocinhos e vilões, fórmula essa que é irracional quando o assunto é plano
político e estratégias de poder. Mas quando as cortinas se fecham, ou nas
coxias se circula, sabemos muito bem que não há lugar para romantismos.
Política partidária não é livro Sabrina ou Poliana.
Entre
as grandes questões do momento estão as reações de caráter higienista do atual
prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad. Enfim, vamos primeiramente
deixar algumas coisas claras: discordar de ações de Haddad não me faz menos de
esquerda e não existe em mim a menor vergonha em assumir que sim, eu já o
aplaudi algumas vezes. Ok, mas o que se desenha agora é tosco, falar em temor à
“refavelização” das praças públicas foi como um soco no estômago e se desprende
totalmente da visão arraigada ao social e das demandas populares historicamente
ligadas à esquerda.
Haddad
faz o mesmo caminho que vem sendo trilhado desde o século XIX por todos que se
dizem defensores da modernização e da higienização das cidades. Basicamente,
essa linha de pensamento se traveste de preocupações com saúde pública e
combate a epidemias, mas vou citar dois fatos históricos amplamente conhecidos
que foram defendidos por higienistas e que mostram que só há um único combate
em meio a essa luta: aos pobres, não à pobreza.
Em seu
livro O Quinze, Rachel de Queiroz
narra uma das maiores secas que acometeram o sertão do Nordeste. O que talvez
não fique claro para os leitores são as condições em que os flagelados da seca
eram tratados naquele contexto. A criação de campos de concentração no sertão
do Ceará é uma das páginas mal lidas da nossa história. Conter os flagelados
que fugiam da seca nessas estruturas criadas pelo governo serviam acima de
qualquer coisa para não os deixarem chegar até a capital, que assim como as
outras capitais brasileiras da época estavam em busca do “afrancesamento”. Os
higienistas davam seus pareceres médicos e sanitários, sobre os “riscos” dessa
população flagelada chegando a Fortaleza, mas tudo fazia parte de um ideal que
cruzava a eugenia e os valores higienistas.
Alguns
anos antes, em 1893, o prefeito Barata Ribeiro mandava pôr abaixo o mais famoso
cortiço do Rio de Janeiro em nome da higiene e da contenção de epidemias. O
cortiço Cabeça de Porco no centro da cidade do Rio na verdade recebia olhares
da especulação imobiliária e daqueles que avistavam ali a “doença” mais temida
do século: os pobres. Quando Sidney Chalhoub, em sua obra prima Cidade Febril narra os acontecimentos
que levaram até a destruição do cortiço e os desdobramentos das políticas
higienistas no final do século XIX e no início do XX, fica claro que assim como
a febre amarela e a varíola, a pobreza também era uma doença aos olhos dos
gestores “modernos” daquele período. Ser pobre e negro era ser apartado dos
ideais que se sustentavam naquele momento. A preocupação com a febre amarela
não se estendia para a tuberculose. Motivo? A tuberculose acometia em maior número
a população negra.
O
Higienismo é uma visão liberal e vem atrelada às ditas gestões modernas que
beberam na fonte das reformas de Haussmann, em Paris. Esconder o pobre, o
negro, o mendigo, a criança sem-teto que vaga pelas ruas das grandes cidades é
passar a impressão de que ali tudo está bem. A morte dessas pessoas por “questões
climáticas” é a causalidade do destino que esses gestores querem as deixar à mercê.
Dessa maneira, eles se esquivam de questões sociais graves, como a falta de
estrutura de acolhimento para as comunidades carentes das metrópoles e “limpam”
seus redutos políticos fazendo lobby pra burguês ver.
Por
fim, é justamente por ser de esquerda que estou escrevendo esse texto, estamos
aqui para dar voz, dar espaço para as demandas das minorias, principalmente
quando aqueles que disseram estar no poder por elas se calam e, pior, as matam por omissão.
1 comentários:
Palmas para você! O que me dá mais pena? É motivo para outros políticos, que se dizem mais socialistas (entenda-se o PSOL) se apropriarem desses fatos lamentáveis para se lançarem como solução e salvadores das pessoas abandonadas. De novo, a politicagem se apropria dos desvalidos para darem golpes.
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