quarta-feira, 15 de junho de 2016

Off Topic| Qual o problema em enxergar o Higienismo de Haddad?


Nos últimos dias tem se travado um imenso e acalorado debate nas redes sociais acerca da falta de medidas públicas em relação aos moradores de rua em meio a uma das piores frentes frias dos últimos anos em diversas partes do Sul e do Sudeste do país. O número de mortos por falta de acolhimento e tomada de medidas por parte dos governos estaduais e municipais trouxeram à tona algumas chagas que andavam bem escondidas por trás dos panos políticos.

Nesse teatro que é a política nacional acabamos por comprar a ideia de personagens, de fato nós crescemos sobre a cultura novelística de separar as figuras em mocinhos e vilões, fórmula essa que é irracional quando o assunto é plano político e estratégias de poder. Mas quando as cortinas se fecham, ou nas coxias se circula, sabemos muito bem que não há lugar para romantismos. Política partidária não é livro Sabrina ou Poliana.

Entre as grandes questões do momento estão as reações de caráter higienista do atual prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad. Enfim, vamos primeiramente deixar algumas coisas claras: discordar de ações de Haddad não me faz menos de esquerda e não existe em mim a menor vergonha em assumir que sim, eu já o aplaudi algumas vezes. Ok, mas o que se desenha agora é tosco, falar em temor à “refavelização” das praças públicas foi como um soco no estômago e se desprende totalmente da visão arraigada ao social e das demandas populares historicamente ligadas à esquerda.

Haddad faz o mesmo caminho que vem sendo trilhado desde o século XIX por todos que se dizem defensores da modernização e da higienização das cidades. Basicamente, essa linha de pensamento se traveste de preocupações com saúde pública e combate a epidemias, mas vou citar dois fatos históricos amplamente conhecidos que foram defendidos por higienistas e que mostram que só há um único combate em meio a essa luta: aos pobres, não à pobreza.

Em seu livro O Quinze, Rachel de Queiroz narra uma das maiores secas que acometeram o sertão do Nordeste. O que talvez não fique claro para os leitores são as condições em que os flagelados da seca eram tratados naquele contexto. A criação de campos de concentração no sertão do Ceará é uma das páginas mal lidas da nossa história. Conter os flagelados que fugiam da seca nessas estruturas criadas pelo governo serviam acima de qualquer coisa para não os deixarem chegar até a capital, que assim como as outras capitais brasileiras da época estavam em busca do “afrancesamento”. Os higienistas davam seus pareceres médicos e sanitários, sobre os “riscos” dessa população flagelada chegando a Fortaleza, mas tudo fazia parte de um ideal que cruzava a eugenia e os valores higienistas.

Alguns anos antes, em 1893, o prefeito Barata Ribeiro mandava pôr abaixo o mais famoso cortiço do Rio de Janeiro em nome da higiene e da contenção de epidemias. O cortiço Cabeça de Porco no centro da cidade do Rio na verdade recebia olhares da especulação imobiliária e daqueles que avistavam ali a “doença” mais temida do século: os pobres. Quando Sidney Chalhoub, em sua obra prima Cidade Febril narra os acontecimentos que levaram até a destruição do cortiço e os desdobramentos das políticas higienistas no final do século XIX e no início do XX, fica claro que assim como a febre amarela e a varíola, a pobreza também era uma doença aos olhos dos gestores “modernos” daquele período. Ser pobre e negro era ser apartado dos ideais que se sustentavam naquele momento. A preocupação com a febre amarela não se estendia para a tuberculose. Motivo? A tuberculose acometia em maior número a população negra.  

O Higienismo é uma visão liberal e vem atrelada às ditas gestões modernas que beberam na fonte das reformas de Haussmann, em Paris. Esconder o pobre, o negro, o mendigo, a criança sem-teto que vaga pelas ruas das grandes cidades é passar a impressão de que ali tudo está bem. A morte dessas pessoas por “questões climáticas” é a causalidade do destino que esses gestores querem as deixar à mercê. Dessa maneira, eles se esquivam de questões sociais graves, como a falta de estrutura de acolhimento para as comunidades carentes das metrópoles e “limpam” seus redutos políticos fazendo lobby pra burguês ver.

Por fim, é justamente por ser de esquerda que estou escrevendo esse texto, estamos aqui para dar voz, dar espaço para as demandas das minorias, principalmente quando aqueles que disseram estar no poder por elas se calam  e, pior, as matam por omissão. 

1 comentários:

Unknown disse...

Palmas para você! O que me dá mais pena? É motivo para outros políticos, que se dizem mais socialistas (entenda-se o PSOL) se apropriarem desses fatos lamentáveis para se lançarem como solução e salvadores das pessoas abandonadas. De novo, a politicagem se apropria dos desvalidos para darem golpes.

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