Sabe a beleza? Me encanta. Mas
não a beleza purista, estética. O mistério me arrebata. Eu gosto mesmo é do
enigma, do sussurro. Eu sou de trovoadas e tempestades, mas por hora, estou
mansa como água de rio, de rio lento. Eu estou numa fase de mudanças, como
diria Dona Kaya, eu estou no portal. Não sei o que me espera do outro lado, mas
sei muito bem o que quero encontrar.
Em 2006, Maria Bethânia trouxe
à existência o Mar de Sophia, álbum
no qual tenho agora mergulhado e que traz o encontro da poetisa portuguesa
Sophia de Mello Breyner Andresen e o cancioneiro de Capinam e outros grandes
mestres da música brasileira. É um mergulho em meio à nossa gênese ibérica e
nossa mestiçagem ritmada no samba. É o Recôncavo descobrindo a Lusitânia
poética.
Então, eu tenho estado toda
boba. Em meio a todos os atos de horror que seguem e colocam em cheque a
humanidade desse Ser a quem denominam humano, eu tenho me jogado em uma onda de
amor sem fim. Sei lá, isso não é apenas uma representação de amor romântico,
isso é o aflorar da sensibilidade. Como diria a letra de Beira-Mar, “dentro do mar tem rio”.
Dentro da dor a canção
Dentro do guerreiro
flor
Dama de espada na mão
Dentro de mim tem você
Eu sempre fui alguém de poucas
palavras e muita observação. Mas ser mansa nunca foi uma questão, porém sempre
preferi me recolher por saber que os enfrentamentos seriam caóticos em meio à minha
falta de tato nas disputas. Agora estou aqui, ouvindo repetidas vezes Bethânia
e sentindo como se estivesse na hora dos meus raios e trovões encontrarem água.
Quando tudo que a sociedade
quer nos oferecer é ódio, o amor e o querer dar amor vira revolução. Eu estou
sentindo essa alma revolucionária espreguiçar dentro de mim e dizer “acorde e
vá viver. Se jogue”. Enfim, eu quero. Amar em tempos de guerra de egos,
injustiça e medo é como tentar hastear bandeira branca em meio a fogo cruzado.
Mas eu sempre me identifiquei com o arquétipo da dama de espada na mão, e
nessas horas, a espada desce para se enlaçar com o coração.
Mar,
De todos os cantos do
mundo
Amo com um amor mais
forte e mais profundo
Aquela praia extasiada
e nua,
Onde me uni ao mar, ao
vento e à lua.
Sophia de Mello, 1944.
Eu estou aqui, esperando a
jornada. Já briguei com minhas feras internas e tenho buscado aguçar os
sentidos, agora só me falta pôr tudo isso a prova. De qualquer maneira, o
sorriso está aqui. Resistir infinitamente ao ódio e ao pavor tem sido o mantra.
Se descobrir, descobrir esse Mar e desbravar seus encantos podem estar do outro
lado do portal, eu só hei de descobrir se aceitar o caminho. Eu aceito o
destino de amar em tempos revoltos. Eu aceito o rio que tem se oferecido a mim
na imensidão desse mar de incertezas, faz parte da jornada do louco se arriscar
na margem do precipício.
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