A
internet pode ser o melhor lugar para se viver em dias de memes, ativismo e
toda a zoeira nossa de cada dia. O brasileiro tem por princípio pátrio a arte
de não ter limite para a imaginação e a ação “sem vergonha” da falta de senso
do ridículo. Gostamos de rir, rir muito e fazer piada sobre as nossas próprias
agruras e frustrações. Talvez isso seja reflexo psicológico de uma sociedade
que se “acostumou” com o silenciamento dos oprimidos. Ao mesmo tempo, as redes
sociais também têm se tornado veículo de intolerância, ódio e nonsense
Em
2011, no álbum Loud, Rihanna lançou o
single Man Down e acho que essa
música pode ser bem didática para explicar duas coisas: a sensação de culpa de
uma mulher estuprada e o endossamento da cultura do estupro. Primeiramente,
todas as vezes que temos que nos deparar com notícias como a do ESTUPRO
coletivo da jovem Beatriz, no Rio de Janeiro, é como se a agressão das nossas
próprias vidas se repetisse. Toda mulher em algum momento de sua vida já sofreu
uma agressão, seja ela sexual, física ou moral, motivada pelo simples fato de
sermos mulheres e isso já se incutiu culturalmente como objeto e propriedade
masculina. Lembre-se, crescemos em uma sociedade judaico-cristã,
heteronormativa, onde ser mulher “deveria” ser sinônimo de bela, recatada e do
lar.
I
didn't mean to end his life
I know
it wasn't right
I
can't even sleep at night
Can't
get it off my mind
I need
to get out of sight
Before
I end up behind bars
Em seu
clipe de Man Down, Rihanna nos dá um
retrato da angústia de uma mulher após assassinar seu agressor. O contexto do
vídeo mostra uma jovem caribenha - como a própria Rihanna - de vida simples e
que tem sua diversão em bailes na cidade onde vive, vindo a ser estuprada após
sair de uma dessas festas. O desenrolar da história seria o sentimento de
vingança que toma a agredida que parte para assassinar o agressor, mas que
depois de sua morte se sente culpada.
Cause
I didn't mean to hurt him
Coulda
been somebody's son
And I
took his heart
When I
pulled out that gun
A
música e o clipe de Rihanna se encontram com o caso de Beatriz Pereira no
momento em que nos deparamos com a tentativa insana por parte de uma parcela da
sociedade que enche as redes sociais com vídeos e textos defendendo que a
garota não havia sido estuprada, mas sim participado de uma orgia. O que essas
pessoas parecem não ter entendido ainda - e não sei se estariam dispostas a entender
- é que o estupro pode se configurar até mesmo quando uma esposa diz ao seu
marido que não quer o sexo e ele mesmo assim comete o ato sem a vontade dela. É
a visão da mulher como depósito.
No
clipe a jovem interpretada por Rihanna é estuprada após sair de uma festa onde
dançou sensualmente. O homem a segue e violenta. No caso do estupro coletivo,
Beatriz pode ter dançado nua inúmeras vezes em bailes funk do Rio de Janeiro, isso não é da nossa conta, o que fica para
ser pago é o fato de que se não há consentimento, o estupro é configurado SIM. Lembrem
também de quando Mike Tyson foi condenado por estupro, tentou se defender
afirmando que a jovem havia ido com ele para o quarto do hotel... Mas ela desistiu do sexo e ele mesmo assim a
tomou à força. Resumindo novamente: se ela não quiser e você forçar a barra,
machinho, é estupro.
Na rua
em que vivo existia uma família humilde formada por uma mãe e seus 6 filhos.
Certo dia, um desses filhos foi até um famoso bordel do bairro e estuprou uma
das garotas de programa que não aceitou praticar sexo anal. O caso nunca foi
denunciado, porque quem levaria em conta o estupro de uma garota de programa? As
pessoas diriam, “mas ele pagou!!”. No final das contas, a família do agressor foi
que viu o absurdo que ocorreu e cuidou da mulher enquanto ela estava
hospitalizada. O mínimo.
O que
mais chama minha atenção na música é a culpa que ela carrega. Sim, ela narra um
crime por parte da mulher também, não vamos ser imbecis de defender assassinato
de ninguém, não estamos aqui para fazer lobby com Sheherazades e Bolsonaros,
mas é de uma angustia pensar que, mesmo depois do que sofreu, a mulher ainda poderia
se colocar na posição de culpa por causar dor à família de seu agressor, a quem
acaba de assassinar. Isso poderia ser uma analogia à todas as mulheres que se
sentem sujas e culpadas por serem violentadas, que não conseguem dormir
carregando o peso da consciência de uma sociedade que a criminaliza pela
própria agressão sofrida. Toda vez que esses casos se repetem nossa agressão
pessoal ocorre novamente.
1 comentários:
A lentidão de nossa humanização contrasta com o nosso desenvolvimento tecnológico e, como se a vida fosse isso, projeta um futuro de luz e impõe um presente cinza. Sem a necessária expansão da consciência, ansiamos pela luz, enquanto nos debatemos presos a velhos estamentos. Alice, você está ajudando a desbloquear o nosso caminho.
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