Depois de “parir” uma
dissertação que se apresentou para mim desde o início como um rito de passagem,
alguns elementos passaram a ser componentes da minha própria descoberta, do que
sou como cientista e ser humano. A solidão do processo de escrita nos coloca
para pensar muito além do texto, mas no derredor, em si e no outro. É um tempo
silencioso, onde é possível quebrar e remendar nossos conceitos. A gente senta
para escrever as linhas do papel e termina por se reescrever.
Entre essa valsa que é um
procedimento de construção e desconstrução, passei a dançar no ritmo de Caetano.
Decidi passar a escutar um álbum diferente da sua discografia todos os dias na
jornada de escrita durante as últimas semanas. Ouvi músicas que não conhecia,
relembrei canções que há muito não ouvia e ressignifiquei meu ritual em
frente ao computador. O silêncio tornou-se diálogo.
Penso em ficar quieto
um pouquinho
Lá no meio do som
Peço salamaleikum,
carinho, bênção, axé, shalom
Passo devagarinho o
caminho
Que vai de tom a tom
Posso ficar pensando no
que é bom
Nu com a minha música foi um desses diálogos das madrugadas.
Presente no disco Outras Palavras
(1981), a canção foi escrita durante uma turnê onde Caetano percorreu o
interior do estado São Paulo e é claramente a reflexão de alguém que se
deparava com uma serenidade ideológica e a certeza que não tinha mais que
provar nada para ninguém. Nas linhas esboçadas no quarto de hotel em Presidente
Prudente, Caetano indicava que não precisava seguir as bandeiras de ninguém e
também não precisava ser seguido, se afirmava muito certo que as verdades são
individuais e que cada um que carregue sua bagagem.
Em 2016 experimentei o sabor
agridoce da vida. Eu que já conhecia o amargo e o ácido, e que estava começando
a me acostumar com o doce da vida, me deparei com um novo vazio e que trouxe
consigo nuances que eram até então desconhecidas. Em meio a tudo isso, terminei
uma fase da minha vida acadêmica e já me vi lidando com outra. Nem posso dizer
que foi um atropelo, porque hoje não saberia nem dizer como todo processo
ocorreu, logo nem sou capaz de nomear o que aconteceu. Eu só fui seguindo um
fluxo, uma força muito maior do que eu mesma e que foi me guiando diante do completo
blackout mental que eu me encontrava.
Deixo fluir tranquilo
Naquilo tudo que não tem fim
Eu que existindo tudo comigo, depende só
de mim
Vaca, manacá, nuvem, saudade
Cana, café, capim
Coragem grande é poder dizer sim
Os dois anos foram passando e
com eles parágrafos que se moveram com a força de muitos. Não falo isso dá
broca para fora e por sensacionalismo, mas de fato o trabalho que me propus fazer
só se tornou papel por todos que direta ou indiretamente me motivaram e guiaram-me
durante o solitário processo de escrita. A minha “coragem grade”, como diz o
compositor de Santo Amaro da Purificação, foi dizer sim. Foi dizer sim para
minhas impossibilidades, aceitar o que não estava alcançável e me acolher
diante de tudo isso e aceitar que estaria tudo bem em não ser “perfeita”. O
mundo acadêmico espera ações de super-heróis quando na verdade só nos dá
espaço, apoio e liberdade para sermos figurantes em meio a citações e
curriculum Lattes. A Academia não foi feita para os sonhos, idealismos e
devaneios, mas sim para aprumar todos em uma forma digna de regras da ABNT. O
mundo acadêmico tem tolhido mais do que libertado, mas mesmo assim tende a
cobrar de nós o novo, o inédito e o inquestionável.
E por não pensar que devo fazer média
para “as pessoas da sala de jantar” é que quero ficar “nu com a minha música”,
pelo menos por um curto espaço de tempo. O que se espera no mundo acadêmico não
é respeito, mas subserviência o que definitivamente não nasci para ser. Carrego
comigo esse “defeito” de fábrica que me impede ser superficial em meio à
pessoas rasas.
Não há de ser por muito tempo,
até porque meu amor pela História e a certeza que precisamos ser a subversão entre
os que pregam uma pseudo intelectualidade que mais aparta do que constrói novas
vias de conhecimento. É uma pausa para mim, é um silêncio externo para acalmar
uma barulheira sem tamanho que se formou nos últimos anos dentro de mim.
Trabalhar com ciência e construção
de conhecimento em nosso país é tarefa árdua. Em momentos onde se prega a velha
austeridade neoliberal que mais parece disco arranhado se repetindo nos tempos
de crise, os meios de fomento à pesquisa são os primeiros atingidos, como se
fossem os supérfluos da lista de compra da nossa mãe na hora de passar a “feira”
no caixa do supermercado, essa tarefa se parece ainda mais hercúlea.
No Brasil, ciência é artigo de luxo e até por isso deve ser controlada por uma meia dúzia de pessoas que a tratam como negócio. Em meio a esses negócios só há espaço para as Ciências Humanas e Sociais quando convém, quando contrário, os cientistas de humanas e sociais são rotulados “vagabundos” e filiados a “doutrinação comunista” (quem me dera...). O incêndio do Museu Nacional desnudou não apenas todo tipo de discurso (dos relevantes e dos incompromissíveis) , mas também trouxe à tona a sensação de que estamos nadando contra uma correnteza e que ela exige de nós uma saúde mental que no momento eu não disponho. Sendo assim, até breve, Academia.
No Brasil, ciência é artigo de luxo e até por isso deve ser controlada por uma meia dúzia de pessoas que a tratam como negócio. Em meio a esses negócios só há espaço para as Ciências Humanas e Sociais quando convém, quando contrário, os cientistas de humanas e sociais são rotulados “vagabundos” e filiados a “doutrinação comunista” (quem me dera...). O incêndio do Museu Nacional desnudou não apenas todo tipo de discurso (dos relevantes e dos incompromissíveis) , mas também trouxe à tona a sensação de que estamos nadando contra uma correnteza e que ela exige de nós uma saúde mental que no momento eu não disponho. Sendo assim, até breve, Academia.
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