Quando eu tinha 5 anos de
idade a vida se apresentou para mim. Sem pedir licença, sem sutileza, apenas
veio e deixou em mim o medo. O medo se tornou algo intrínseco a mim. Algumas
pessoas falam que o medo é uma demonstração de que existe vida pulsando, mas
para mim o medo é a tensão de não querer ser ferida, o pavor da reprovação de
um olhar, o temor de um gesto ou uma palavra que reprime. O medo é como tocar
uma ferida aberta, que por mais que se aproxime com toque cuidadoso, a dor
ainda vai estar lá. Esse pavor é uma dor que calcifica.
A adolescência veio, e toda a
ferida que já estava aberta apenas ganhou profundidade. Essa dor que se
aprofundou, tomou contorno e preenchimento de melancolia. Você senta e passa a
apenas aceitar, o que não a vida, mas o que momento oferece. A mente cria
estratégias para sobreviver em meio ao caos, você entra em estado de automação.
Replica gestos, falas e sorriso porque no fundo, por mais que não pareça, você
quer sobreviver.
Quando tudo se torna apenas
uma questão de sobrevivência o prazer dá lugar a uma couraça que tenta
desesperadamente servir como cobertura para todas essas feridas que nos marcam
ao longo do caminho. Tudo se torna uma questão de viver defensivamente, se
protegendo, nem que para isso seja necessário mostrar os dentes e ferir alguém.
Não passamos mais a viver, estamos só nessa guerrilha emocional, que é um
processo cíclico e autodestrutivo.
And you got me like, oh
What you want from me?
(What you want from me?)
And I tried to buy your pretty heart
But the price is too high
Rihanna transpões tudo isso
para uma música. Em seu oitavo álbum de estúdio, Anti, ela em parceria com Fred Ball e Joseph Angel lançou Love on the Brain. A décima primeira faixa do
álbum foi também o 4º single da barbadense para esse trabalho lançado em 2015.
Pelo que tudo indica, todo trabalho seria acompanhado de vídeos e reflexões da
própria Rihanna que ajudariam a interpreta esse lançamento, mas o vazamento do
material na internet interrompeu esse processo criativo da artista. Ficamos
então sem o vídeo que fecharia esse processo de composição e interpretação da
música. Mas a letra toma vida e folego na mente de cada um que já viveu ou vive
o que ela está cantando.
Love
on the Brain é sobre uma relação abusiva. Na letra ela
deixa claro os vários estágios desse abuso, como a forma que sua vida está
atrelada a dele (No matter what I do, I’m
not good without you) e como isso a leva a aceitar a dor (So you can put me together and throw me
against the wall). Ele parece como um personagem que vem e vai, aparece
quando é conveniente a ele, mas a prende emocionalmente e a usa como objeto de
satisfação pessoal.
E por mais que se tente ser
didática, é difícil explicar para quem está de fora o mecanismo de atuação de
um abuso na mente de quem sofre. Talvez algumas pessoas apenas se perguntem a
motivação da permanência em uma relação abusiva, o que essas pessoas não
entendem é como o abusador se utiliza de mecanismo para atrelar aquela pessoa
psicologicamente a ele através da baixa autoestima, medo e inversão. Isso não
ocorre apenas em relacionamentos abusivos, mas também em outros tipos de
abusos, onde quem sofre o abuso não reage ou denuncia por se ver em uma dessas
situações.
That’s got me feeling this way
(Feeling this way)
It beats me black and blue, but it fucks me so good
Essa dor serve como estopim de
uma crise de ansiedade que toma o folego. Esse medo fomenta uma depressão, o
autoflagelo da mente que carrega em si todo peso do mundo. E você se afunda,
ficar só consigo mesmo se torna a solução viável de quem não aguenta mais tudo
isso. Você ali, encolhido, fechado em sua concha é intocável no estratagema da
sua consciência. O que você não se dá
conta é da força que carrega em si. Você sobreviveu a tudo isso e tem o direito
de seguir em frente. Existe uma força interna muito maior que a dor, e essa
força nos mantém vivos.
Em um dos vídeos de lançamento
de Anti, Rihanna aparece ao redor de
uma criança que interage com ela e lhe entrega uma coroa. Todos temos uma
criança que nos espreita. A nossa criança interna que foi machucada, abatida e
que sofreu com a apresentação dessa vida para ela. Alguém muito especial me
disse ”olha, antes essa criança estava sozinha e não tinha como se defender.
Agora essa criança tem você e você não precisa mais ter medo. Você tem como se
defender”. Toda ansiedade, melancolia e o temor de enfrentar a vida não são
mais um perigo real, aquele risco ao qual ficamos expostos, mas sim a memória
de todo sofrimento que já foi enfrentado.
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