sábado, 6 de agosto de 2016

Off Topic| Vivendo e aprendendo a jogar

Não sei se o conceito de jogo se encaixa tão bem para vida, até porque não são todos que encaram os dias como uma competição. Em jogos sempre parece que os espíritos se acirram e teríamos como objetivo final uma classificação. Enfim, por mais que não concorde com a definição tão usada, tenho que concordar que todos os dias aprendo alguma coisa, como se avançasse uma casa em um grande tabuleiro onde eu sou apenas uma peça. Pesado, mas uma reflexão necessária.

Primeiramente, precisamos ter humildade o suficiente para assumir que o sangue bate na cabeça e volta, mas que existem nossas verdades lá, inquebráveis e que nos moldam como um oleiro trabalha seu barro. Uns são feitos de água mansa, calma, que arrefece e se agita quando necessário, mesmo assim o faz com uma suavidade linda e agregadora. Outros são de fogo, e queimam, fervem e consomem com fúria, mas aquecem espaços e movimentam ânimos. O fogo muda estados, transforma. Contrário a esses, tem gente que inflama, mas se esvai do mesmo jeito que veio, passa pela vida só para o tumulto e não deixa rastro. É efemeridade pura. A maneira como vamos nos dar com nosso amalgama é muito pessoal, depende das nossas experiências, dores e cicatrizes. Mas tem coisas que sempre vão gritar em nós.

Sabe, eu não sei pesar a mão em determinados momentos. Não sou uma pessoa deselegante e acostumada a destratar pessoas do nada. E não faço mais do que meu dever, não acredito que a gente tem de ficar fazendo ode ao ser a síntese da urbanidade. É nosso papel no mundo. Ao mesmo tempo, algumas questões são tão sagradas para nós que não dar pra fechar os olhos. A maneira como vamos lidar com essas questões vai depender de como fomos formados. Determinados temas podem dilacerar nossos cortes que já pareciam cicatrizados e nos fazer sangrar novamente.

Feminismo para mim é algo muito, mas muito sério. Sempre me senti mais representada pelo feminismo do que pelo movimento LGBTT, por exemplo. Como mulher, cansei de ser silenciada durante toda minha infância e adolescência. O nosso cala boca de todos os dias o quanto mulheres em um país com uma cultura machista e misógina arraigada.

Em diferentes momentos da vida a gente passa por abusos, muitas vezes praticados por pessoas que tem livre acesso a nossa vida, a nossa casa e que dão um nó na nossa garganta em ainda ter de olhar pra cara de cada um. É como sofrer tudo novamente. Isso traz para nossa vida uma experiência que a gente não apaga, mas fica lá tatuada como um lembrete de tudo que nós tivemos de passar pra estar aqui.

Diante disso, e sabendo que eu não tenho a suavidade e elegância das águas que citei no início, eu sou sim um Panda incendiário. Enquanto algumas pessoas conseguem -e as admiro profundamente por isso e aprendo a cada dia, mesmo que não pareça- lidar agregando e arrefecendo tudo, eu vou queimar fortemente com algumas questões. Machismo é uma das questões que vão fazer meu estado zen budista sumir.

Como alguém que já teve tanto cala boca na vida, e ainda tem de buscar lidar com isso para não enlouquecer, eu não consigo ter o equilíbrio diplomático para tratar de certas atitudes, falas e ações. Me perdoem, mas atitudes escrotas vão me tirar da casinha. Porque pode ser com qualquer pessoa, mas sempre vai reabrir minhas feridas. Me senti exatamente assim com o caso da adolescente vítima de estupro coletivo.

Eu sei que temos de dialogar, não sou uma pessoa estupida e detentora de uma arrogância que me cegue para a necessidade da construção de pontes para o entendimento. Mas determinados discursos são de uma presunção travestida de desconstrução que agem como murros contínuos no meu estômago. Não é, e nunca vai ser a ideia diferente ou a falta de conhecimento de causa que vai me irritar, o que me irrita é a prepotência. Acho maravilhoso amigos homens, e citaria vários aqui –inclusive fico em CHAMAS de felicidade quando vejo namorados de amigas todos na humildade querendo aprender, dialogar e se desconstruir de fato. Um em especial se tornou um exemplo que adoraria nomear aqui, mas não acho de bom tom expor ninguém, mesmo que seja com algo positivo- que de fato têm a sensibilidade e não precisam do selo HeForShe para não serem escrotos. Com esses homens tenho o prazer de dialogar, falar sobre experiências, porque sabemos que para a cultura machista que eles foram impostos a vida toda, isso já é um avanço.

Agora, todas as vezes que um homem pressupor que uma agressão é mimimi ou querer naturalizar fala machista eu não vou me arrepender de me posicionar do jeito mais atípico a minha conduta diária. Vai ter incêndio sim. Hoje entendo porque preciso ser rodeada de pessoas fortes, mas diplomáticas na minha vida. Eu já estaria presa em meio a um desses acessos de fúria.


No final das contas, tenho a certeza cotidiana e levo isso como um mantra, eu preciso continuar aprendendo. Inclusive aprendendo a controlar minhas chamas, porque no meio disso tudo a gente acaba queimando até quem só tá querendo ajudar. Com essas pessoas eu me permito ser repreendida e ajudada com a maior humildade que a vida já me deu. Mas machinho escroto com selo HeForShe? Esses vão continuar não passando na garganta. Já basta ter de olhar pra cara de abusador, né non? A gente engole uns sapos com muito copo de água, outros prefiro cuspir. 

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