terça-feira, 30 de agosto de 2016

Off Topic| "Calma, menina. O tempo coloca tudo no lugar"


Nada é eterno, nem as alegrias e muito menos as dores. A vida é efêmera por si só, a significação dela vem dos nossos atos, de como a vivemos. Em meio a todo o turbilhão do cotidiano, nos deparamos com as dores, com as paixões e transformações, tudo que nos apraz e as coisas que nos corroem estão sob uma influência comum, que tudo ordena, transforma e dá jeito: o tempo.

Com toda iminência de caos que se desenha diante do atual cenário político, cenário esse de GOLPE escancarado, um desanimo toma conta. A ressaca pessoal, já conhecida por me acompanhar todas as vezes que me deparo com acontecimentos absurdos e que ferem todas as minhas crenças na humanidade, vem me acompanhando meses a fio desde os primeiros movimentos de supressão da democracia brasileira. Como historiadora, por mais que saibamos que existe uma onda de retrocesso tomando conta do cenário político mundial, eu não queria acreditar que viveria para ver remake de GOLPE. Mas dessa vez nem precisou do Plano Cohen, bastou juntar um pato e meia dúzia de patetas, que se espalharam pelas ruas estourando Champagne e batendo panelas, fazendo nascer a rebeldia Alta Costura, o GOLPE Prêt-à-porte.

Golpe com pai e mãe, filho de uma elite decadente e demente “raciada” com uma imprensa fajuta e manipuladora. Golpe orquestrado pelo mais do mesmo, as mesmas pessoas da “sala de jantar” cantada pelos Mutantes há mais de 40 anos. Os mesmos elementos se utilizando de uma nova fórmula. Saem os tanques e generais, entram em cena um punhado de notícias plantadas, uma crise econômica fora de contexto e um poder judiciário mancomunado, naquilo que eles chamam de “grande acordo nacional”. Primeiro veio a opressão de corpos, agora temos a manipulação das massas.

O que está em jogo? A democracia, colocada em risco pela ambição de determinados grupos de elite, que querem a todo custo a instalação de um projeto de poder conservador, pautado em valores que essa elite conhece muito bem, pois são raízes que a caracterizam em seus troncos antigos. A misoginia, o machismo, a homofobia, afrofobia e a segregação são arrematados no conceito de “Família Tradicional Brasileira”, que é o rosto e o modelo desse grupo que sabe que nas urnas não poderia seguir com seu projeto de poder, então usa o GOLPE como atalho.

Se engana quem acredita que é apenas uma mudança de peças e que são todos farinhas do mesmo saco, pois não se trata de observar figuras, indivíduos, mas sim de perceber que existem dos projetos muito claros em disputa. Um que durante os últimos 14 anos, mesmo que com fragilidades e passível de críticas, colocou em curso projetos sociais que saem da esfera das meras transações político partidárias, mas geram um novo modelo de sociedade, baseada na dignidade e empoderamento gerados por conquistas de quem antes não tinha acesso a uma educação de nível superior, em instituições públicas e privadas. Esse modelo de gestão social “pariu” uma geração fora da linha marginal da miséria e da fome, deu acesso a pequenos prazeres de uma classe média emergente, mas mexeu dessa forma com o status “barroco tropical” da elite demente. Desde que pobre usando chinelo de dedo passou a circular nas filas de embarque dos aeroportos, sabíamos que os podres poderes da nefasta Classe A não saberiam lidar com tais mudanças.

Sabemos que é um jogo irreversível. As cartas já estão marcadíssimas no Senado e nada, nem a contundência das falas de defesa e a descaracterização do suposto crime de responsabilidade fiscal, fará o jocoso “placar do impeachment” mudar de números. Isso é desesperador e me dá ânsia de vomito. Saber que alguns, com mentalidade débil, trazem para toda essa sujeira o tom de torcida organizada em estádio de futebol. O que eles não entendem é que não se trata de uma quebra de braço entre Dilma e o Derrotado de 2014, um terceiro turno, mas sim um retrocesso que rasgará a Constituição de 88 e todos os ganhos da CLT. Qual será o próximo passo?

Como conforto, fecho os olhos e lembro das palavras do meu pai, naquelas nossas discussões de domingo em meio aos primeiros indícios do que irá culminar amanhã com a cassação do mandato conquistado democraticamente em 2014.  Ele me vendo incrédula com tudo que se sucedia, me disse o seguinte: “Calma, menina. Você jovem querem tudo pra ontem. Deixa. Pode ficar tranquila, o tempo vai colocar tudo no lugar. Deixa que a história ajeita isso.” Então eu só posso me apegar a essa promessa, a de que o tempo é senhor de tudo. Nada pode se esquivar do teste do tempo, nada é imune a ele.


Na mitologia grega, Chronos devorava o futuro, ceifava e mantinha a ordem. Senhor de tudo e mesmo assim sofreu um GOLPE, mas não há nada que para além dos deuses não seja julgado pelo tempo. O tempo reorganiza, destrói vaidades e faz cair por terra verdades absolutas. Faz nascer novas verdades, reconstrói e dá forma. Não é resignar, mas ser paciente e aprender com tudo isso. O berço esplendido da democracia nos deu a falsa ilusão da liberdade. Com esse insulto a própria democracia, teremos que reconquistar, traze-la para perto e sermos mais cuidadosos com ela. E assim como o GOLPE de 64, esse novo/velho GOLPE em 2016, virá marcado nas páginas dos livros e mostrará os rostos dos pulhas que lhe fomentaram. Clio não perdoará.  

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