Nada é eterno, nem as alegrias
e muito menos as dores. A vida é efêmera por si só, a significação dela vem dos
nossos atos, de como a vivemos. Em meio a todo o turbilhão do cotidiano, nos
deparamos com as dores, com as paixões e transformações, tudo que nos apraz e
as coisas que nos corroem estão sob uma influência comum, que tudo ordena,
transforma e dá jeito: o tempo.
Com toda iminência de caos que
se desenha diante do atual cenário político, cenário esse de GOLPE escancarado,
um desanimo toma conta. A ressaca pessoal, já conhecida por me acompanhar todas
as vezes que me deparo com acontecimentos absurdos e que ferem todas as minhas
crenças na humanidade, vem me acompanhando meses a fio desde os primeiros
movimentos de supressão da democracia brasileira. Como historiadora, por mais
que saibamos que existe uma onda de retrocesso tomando conta do cenário político
mundial, eu não queria acreditar que viveria para ver remake de GOLPE. Mas dessa
vez nem precisou do Plano Cohen, bastou juntar um pato e meia dúzia de patetas,
que se espalharam pelas ruas estourando Champagne e batendo panelas, fazendo
nascer a rebeldia Alta Costura, o GOLPE Prêt-à-porte.
Golpe
com pai e mãe, filho de uma elite decadente e demente “raciada” com uma
imprensa fajuta e manipuladora. Golpe orquestrado pelo mais do mesmo, as mesmas
pessoas da “sala de jantar” cantada pelos Mutantes há mais de 40 anos. Os mesmos
elementos se utilizando de uma nova fórmula. Saem os tanques e generais, entram
em cena um punhado de notícias plantadas, uma crise econômica fora de contexto
e um poder judiciário mancomunado, naquilo que eles chamam de “grande acordo
nacional”. Primeiro veio a opressão de corpos, agora temos a manipulação das
massas.
O
que está em jogo? A democracia, colocada em risco pela ambição de determinados
grupos de elite, que querem a todo custo a instalação de um projeto de poder
conservador, pautado em valores que essa elite conhece muito bem, pois são raízes
que a caracterizam em seus troncos antigos. A misoginia, o machismo, a
homofobia, afrofobia e a segregação são arrematados no conceito de “Família
Tradicional Brasileira”, que é o rosto e o modelo desse grupo que sabe que nas
urnas não poderia seguir com seu projeto de poder, então usa o GOLPE como
atalho.
Se
engana quem acredita que é apenas uma mudança de peças e que são todos farinhas
do mesmo saco, pois não se trata de observar figuras, indivíduos, mas sim de
perceber que existem dos projetos muito claros em disputa. Um que durante os últimos
14 anos, mesmo que com fragilidades e passível de críticas, colocou em curso
projetos sociais que saem da esfera das meras transações político partidárias,
mas geram um novo modelo de sociedade, baseada na dignidade e empoderamento gerados
por conquistas de quem antes não tinha acesso a uma educação de nível superior,
em instituições públicas e privadas. Esse modelo de gestão social “pariu” uma
geração fora da linha marginal da miséria e da fome, deu acesso a pequenos
prazeres de uma classe média emergente, mas mexeu dessa forma com o status “barroco
tropical” da elite demente. Desde que pobre usando chinelo de dedo passou a
circular nas filas de embarque dos aeroportos, sabíamos que os podres poderes
da nefasta Classe A não saberiam lidar com tais mudanças.
Sabemos
que é um jogo irreversível. As cartas já estão marcadíssimas no Senado e nada,
nem a contundência das falas de defesa e a descaracterização do suposto crime
de responsabilidade fiscal, fará o jocoso “placar do impeachment” mudar de números.
Isso é desesperador e me dá ânsia de vomito. Saber que alguns, com mentalidade débil,
trazem para toda essa sujeira o tom de torcida organizada em estádio de
futebol. O que eles não entendem é que não se trata de uma quebra de braço
entre Dilma e o Derrotado de 2014, um terceiro turno, mas sim um retrocesso que
rasgará a Constituição de 88 e todos os ganhos da CLT. Qual será o próximo passo?
Como
conforto, fecho os olhos e lembro das palavras do meu pai, naquelas nossas
discussões de domingo em meio aos primeiros indícios do que irá culminar amanhã
com a cassação do mandato conquistado democraticamente em 2014. Ele me vendo incrédula com tudo que se
sucedia, me disse o seguinte: “Calma, menina. Você jovem querem tudo pra ontem.
Deixa. Pode ficar tranquila, o tempo vai colocar tudo no lugar. Deixa que a
história ajeita isso.” Então eu só posso me apegar a essa promessa, a de que o
tempo é senhor de tudo. Nada pode se esquivar do teste do tempo, nada é imune a
ele.
Na
mitologia grega, Chronos devorava o futuro, ceifava e mantinha a ordem. Senhor de
tudo e mesmo assim sofreu um GOLPE, mas não há nada que para além dos deuses
não seja julgado pelo tempo. O tempo reorganiza, destrói vaidades e faz cair
por terra verdades absolutas. Faz nascer novas verdades, reconstrói e dá forma.
Não é resignar, mas ser paciente e aprender com tudo isso. O berço esplendido
da democracia nos deu a falsa ilusão da liberdade. Com esse insulto a própria
democracia, teremos que reconquistar, traze-la para perto e sermos mais
cuidadosos com ela. E assim como o GOLPE de 64, esse novo/velho GOLPE em 2016,
virá marcado nas páginas dos livros e mostrará os rostos dos pulhas que lhe
fomentaram. Clio não perdoará.
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