Música é algo absurdamente
familiar para mim. Por mais que eu divague sobre isso ou tente entender qual o
sentido ou como essa relação surgiu, nunca vai ter uma explicação concreta.
Pouco me importa. Música tem essa subjetividade intrínseca, as entrelinhas não escritas,
mas contidas de alguma forma entre os versos quando eles se deparam com nossos
ouvidos e enchem nossa mente. Música não é raciocínio lógico ou formula matemática,
tá para além de axiomas e postulados. Música é uma enorme porção de inspiração
de alguém e conspiração do universo. Ela chega e nos toca deixando a mais
pessoal das mensagens: eu te traduzo, pode ficar em silêncio.
Quando as canções passam a
fazer parte do nosso cotidiano desde muito cedo, podemos traçar um caminho a
onde cada passo é seguido por uma nota, um riff
e uma melodia. As letras são as nossas falas em vozes múltiplas e que nunca saíram
das nossas gargantas, mas correspondem fielmente a cada pensamento que circulou
em nossa cabeça e poderia tranquilamente ter saído por nossa língua. As músicas
parecem ser ladrilhos assentados na estrada da vida.
Marisa Monte foi a pedra
fundamental. Na construção de uma consciência musical que começou no carinho de
bebê, ela foi a que chegou primeiro, ainda para me ninar. Para mim, ela sempre
será música afetiva. Sei lá, tem aquele embalo de berço. É sono de criança de
colo após sopinha de feijão. Não dá pra explicar, porque rememora um período para
qual eu retornaria sem pensar duas vezes. Uma fase sem atrelo a responsabilidade,
sem traumas e desconhecendo a maldade humana. Minhas melhores memórias têm som
de Cor de Rosa e Carvão.
Os primeiros passos de um ser
humano podem ser errantes, mas definem os caminhos que ele tende a querer
seguir. Tomo nota disso quando percebo que o começo da caminhada veio permeada
de regionalismo. Eu enterrei meu umbigo na minha terra. A poeira do chão do
Nordeste grudou na minha sandália e não há de sair nunca. Parece infantil, mas Frevo Mulher, na voz de Amelinha, me
emociona tanto. É abstrato e nem eu consigo transpor isso para frases. Só escuto.
No sentido de pertencimento, Galope Rasante, de Zé Ramalho, também
bate forte aqui dentro. Me remete ao caminho sinuoso até o interior dos meus
avós. Era exatamente o tocava no carro durante essa viagem. É aquela fase da
vida que a gente desconhece a real importância das coisas, incluindo a parte
que odiávamos fazer esse caminho que hoje fica só na lembrança.
Foi nessa época também que eu
me deparei com as antigas fitas k7 da minha mãe e do meu primo Toni. Uma em
especial era tocada frequentemente, com direito a performance de lipsync com o controle remoto. Lado A e
lado B tomados por uma gravação dos hits
do Guns n Roses. Agora a banda virou
coisa pra gente poser que acha que sabe alguma coisa de Rock, talvez seja o que
a galera velha guarda também sempre pensou sobre eles, mas para mim naquele
momento era uma descoberta incrível. A gente quando não dá a sorte de começar a
vida por Led Zeppelin, tem de aprender a curtir atirei o pau no gato.
Minha adolescência foi um
tumulto que reverbera até hoje. Tento lidar com os ecos dos meus 13 anos. Foi de
uma turbulência e magoa tão absurda que Tristeza
Pés no Chão, de Clara Nunes, se tornou a tradução mais pura, nua e cortante
dessa época. Escutava repetidas vezes, porque as vezes a gente só quer sentir,
mesmo que o sentimento que venha seja o da dor.
A vontade de correr chutando
lixeiro era seguida pela guitarra de John Frusciante. Otherside é um clássico de quem se apaixonou pelo rock desbocado do
RHCP no final dos anos 90 e começo dos anos 2000. Era a tradução de uma
rebeldia com causa, mesmo que silenciosa e não aparente, mas que desengasgava
na voz de Anthony Kiedis. Era uma rebelião interna que explodia no rock de
skate da Califórnia.
A percepção da vida como algo
muito maior veio com uma iluminação. Cada um tem um modelo, um padrão ou alguém
que é a quebra dos padrões, em que você olha e pensa “é isso que eu quero ser
quando crescer”. Na cabeça de uma criança vheada, Boy George é o maior dos
nirvanas que se pode ter na vida. Já contei a história aqui em outro post. Ele não
foi como uma lâmpada que se acendeu na minha cabeça, mas sim uma corrente de pisca-pisca
inteiro. E It’s a Miracle é o hino. Amém.
Se Boy George foi a figura
inspiradora, foi com Rihanna que sai de Nárnia para mim mesma. We Found Love, que também já foi motivo
de postagem anteriormente, é uma ode a “bateção” de cabelo tão necessária em
algum momento da vida. É música de liberdade, de corpo e espirito.
Eu também redescobri a MPB na
sua essência. Foi quando voltei ao Bê-á-bá pra reencontrar a Bossa Nova. Estrada do Sol, que é uma composição de Dolores
Duran e Tom Jobim, é de uma leveza tão necessária para quem já carregou tantas
pedras que a vida atirou. É marco de mudança, de giro de chave. Caminho em direção
a um horizonte que a gente almeja, mas ainda não enxerga, mas continua na
estrada.
Uma das paradas, em meio a
toda essa estrada que percorri e continuo percorrendo, foi a cidade de São
Paulo. Foi o palco dos dias mais intensos da minha vida e o começo de um ciclo
que se estende. Alice Caymmi foi de onde recomecei esse blog. Iansã, na interpretação dela, sempre vai
ser música de reencontro com meu coração que foi bater me outro plano. Sempre. Mas
os dias em São Paulo ficaram marcado por Como
Vês. Não lembro porque, mas sei onde. Tem som e cheiro da Avenida Paulista
tomada de gente aos domingos. Com sabor de café na Stabucks em frente ao Hcor
após uma caminhada solitária da Haddock Lobo até o Paraíso pós chope na Bella
Paulista. Dá uma saudade danada. Que dói, do medo das lembranças que vou
reencontrar por lá, mas a cada frase cantada por Alice, eu quero voltar para
sentir o ar queimando a narina novamente nos caminhos inclinados até a
Paulista. São Paulo, só em menção, movimenta minha cabeça.
Não teve hiato pós fevereiro. Teve
um turbilhão de coisas, não exatamente conectadas, mas cheias de significados. O
interessante foi ter de lidar com alguns fechamentos de portas e a abertura de
outras novas. Algumas pessoas brotaram se maneira linda na minha vida, em um
jardim que a dor e minha confusão interna custa a regar, mas que recebo com uma
gratidão enorme. Foram momentos de Rapidez, de fechar e abri de olhos e se
deparar com o novo. Eu que nunca fui acostumada com o novo, tenho me encantado
com suas nuances. Meia Lua Inteira,
interpretada por Caetano, simboliza isso, a chegada do novo, que é belo e
astuto, mas que entorpece.
E sabe o que eu aprendi no meio da jornada? Que
tudo é mais fácil quando a gente encara a vida como um rolê. Uma caminhada sem pretensões,
sem vaidades, mas plena. Sendo guiado pelos instintos e pela sabedoria moldada
pelas quedas que sofremos no meio da estrada.
Aperte para Ouvir a Playlist
0 comentários:
Postar um comentário