terça-feira, 23 de agosto de 2016

Aquelas canções que você, universo, fez pra mim



Música é algo absurdamente familiar para mim. Por mais que eu divague sobre isso ou tente entender qual o sentido ou como essa relação surgiu, nunca vai ter uma explicação concreta. Pouco me importa. Música tem essa subjetividade intrínseca, as entrelinhas não escritas, mas contidas de alguma forma entre os versos quando eles se deparam com nossos ouvidos e enchem nossa mente. Música não é raciocínio lógico ou formula matemática, tá para além de axiomas e postulados. Música é uma enorme porção de inspiração de alguém e conspiração do universo. Ela chega e nos toca deixando a mais pessoal das mensagens: eu te traduzo, pode ficar em silêncio.

Quando as canções passam a fazer parte do nosso cotidiano desde muito cedo, podemos traçar um caminho a onde cada passo é seguido por uma nota, um riff e uma melodia. As letras são as nossas falas em vozes múltiplas e que nunca saíram das nossas gargantas, mas correspondem fielmente a cada pensamento que circulou em nossa cabeça e poderia tranquilamente ter saído por nossa língua. As músicas parecem ser ladrilhos assentados na estrada da vida.

Marisa Monte foi a pedra fundamental. Na construção de uma consciência musical que começou no carinho de bebê, ela foi a que chegou primeiro, ainda para me ninar. Para mim, ela sempre será música afetiva. Sei lá, tem aquele embalo de berço. É sono de criança de colo após sopinha de feijão. Não dá pra explicar, porque rememora um período para qual eu retornaria sem pensar duas vezes. Uma fase sem atrelo a responsabilidade, sem traumas e desconhecendo a maldade humana. Minhas melhores memórias têm som de Cor de Rosa e Carvão.

Os primeiros passos de um ser humano podem ser errantes, mas definem os caminhos que ele tende a querer seguir. Tomo nota disso quando percebo que o começo da caminhada veio permeada de regionalismo. Eu enterrei meu umbigo na minha terra. A poeira do chão do Nordeste grudou na minha sandália e não há de sair nunca. Parece infantil, mas Frevo Mulher, na voz de Amelinha, me emociona tanto. É abstrato e nem eu consigo transpor isso para frases. Só escuto.

No sentido de pertencimento, Galope Rasante, de Zé Ramalho, também bate forte aqui dentro. Me remete ao caminho sinuoso até o interior dos meus avós. Era exatamente o tocava no carro durante essa viagem. É aquela fase da vida que a gente desconhece a real importância das coisas, incluindo a parte que odiávamos fazer esse caminho que hoje fica só na lembrança.

Foi nessa época também que eu me deparei com as antigas fitas k7 da minha mãe e do meu primo Toni. Uma em especial era tocada frequentemente, com direito a performance de lipsync com o controle remoto. Lado A e lado B tomados por uma gravação dos hits do Guns n Roses. Agora a banda virou coisa pra gente poser que acha que sabe alguma coisa de Rock, talvez seja o que a galera velha guarda também sempre pensou sobre eles, mas para mim naquele momento era uma descoberta incrível. A gente quando não dá a sorte de começar a vida por Led Zeppelin, tem de aprender a curtir atirei o pau no gato.

Minha adolescência foi um tumulto que reverbera até hoje. Tento lidar com os ecos dos meus 13 anos. Foi de uma turbulência e magoa tão absurda que Tristeza Pés no Chão, de Clara Nunes, se tornou a tradução mais pura, nua e cortante dessa época. Escutava repetidas vezes, porque as vezes a gente só quer sentir, mesmo que o sentimento que venha seja o da dor.

A vontade de correr chutando lixeiro era seguida pela guitarra de John Frusciante. Otherside é um clássico de quem se apaixonou pelo rock desbocado do RHCP no final dos anos 90 e começo dos anos 2000. Era a tradução de uma rebeldia com causa, mesmo que silenciosa e não aparente, mas que desengasgava na voz de Anthony Kiedis. Era uma rebelião interna que explodia no rock de skate da Califórnia.

A percepção da vida como algo muito maior veio com uma iluminação. Cada um tem um modelo, um padrão ou alguém que é a quebra dos padrões, em que você olha e pensa “é isso que eu quero ser quando crescer”. Na cabeça de uma criança vheada, Boy George é o maior dos nirvanas que se pode ter na vida. Já contei a história aqui em outro post. Ele não foi como uma lâmpada que se acendeu na minha cabeça, mas sim uma corrente de pisca-pisca inteiro. E It’s a Miracle é o hino. Amém.

Se Boy George foi a figura inspiradora, foi com Rihanna que sai de Nárnia para mim mesma. We Found Love, que também já foi motivo de postagem anteriormente, é uma ode a “bateção” de cabelo tão necessária em algum momento da vida. É música de liberdade, de corpo e espirito.

Eu também redescobri a MPB na sua essência. Foi quando voltei ao Bê-á-bá pra reencontrar a Bossa Nova. Estrada do Sol, que é uma composição de Dolores Duran e Tom Jobim, é de uma leveza tão necessária para quem já carregou tantas pedras que a vida atirou. É marco de mudança, de giro de chave. Caminho em direção a um horizonte que a gente almeja, mas ainda não enxerga, mas continua na estrada.

Uma das paradas, em meio a toda essa estrada que percorri e continuo percorrendo, foi a cidade de São Paulo. Foi o palco dos dias mais intensos da minha vida e o começo de um ciclo que se estende. Alice Caymmi foi de onde recomecei esse blog. Iansã, na interpretação dela, sempre vai ser música de reencontro com meu coração que foi bater me outro plano. Sempre. Mas os dias em São Paulo ficaram marcado por Como Vês. Não lembro porque, mas sei onde. Tem som e cheiro da Avenida Paulista tomada de gente aos domingos. Com sabor de café na Stabucks em frente ao Hcor após uma caminhada solitária da Haddock Lobo até o Paraíso pós chope na Bella Paulista. Dá uma saudade danada. Que dói, do medo das lembranças que vou reencontrar por lá, mas a cada frase cantada por Alice, eu quero voltar para sentir o ar queimando a narina novamente nos caminhos inclinados até a Paulista. São Paulo, só em menção, movimenta minha cabeça.

Não teve hiato pós fevereiro. Teve um turbilhão de coisas, não exatamente conectadas, mas cheias de significados. O interessante foi ter de lidar com alguns fechamentos de portas e a abertura de outras novas. Algumas pessoas brotaram se maneira linda na minha vida, em um jardim que a dor e minha confusão interna custa a regar, mas que recebo com uma gratidão enorme. Foram momentos de Rapidez, de fechar e abri de olhos e se deparar com o novo. Eu que nunca fui acostumada com o novo, tenho me encantado com suas nuances. Meia Lua Inteira, interpretada por Caetano, simboliza isso, a chegada do novo, que é belo e astuto, mas que entorpece.

 E sabe o que eu aprendi no meio da jornada? Que tudo é mais fácil quando a gente encara a vida como um rolê. Uma caminhada sem pretensões, sem vaidades, mas plena. Sendo guiado pelos instintos e pela sabedoria moldada pelas quedas que sofremos no meio da estrada.


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