terça-feira, 20 de setembro de 2016

Marisa Monte| Canção para quem fica


Sabe o que é bonito para mim? Observar o amor ir, voltar, ficar e se eternizar. Não se eterniza com a repetição de datas, com o passar de anos. O amor se eterniza em cada momento vivido, em cada memória compartilhada. O amor, no final das contas, é o que fica e o resto é floreio.

As vezes a vida capricha na tinta. Nós nunca estaremos prontos o suficiente para as despedidas e muito menos para os desencontros. Tendemos a acreditar que tudo é eterno, desde os nossos gestos, passando pelas nossas feições e desembocando em nossas relações, mas a vida permanece nos dando demonstrações de sua grandeza, muitas vezes incompreensíveis, dolorosas e irreversíveis. A vida não é feita só de chegadas, mas principalmente moldada pelas partidas. 

Nada vai permanecer
No estado em que está
Eu só penso em ver você
Eu só quero te encontrar
Geleiras vão derreter
Estrelas vão se apagar
E eu pensando em ter você
Pelo tempo que durar

Em 2006, Marisa Monte se lançou ao desafio de lançar simultaneamente dois álbuns: Infinito Particular e Universo ao Meu Redor. Cada álbum com sua característica própria e com uma identidade musical que fluiu entre a poesia e o conceitual que transbordam em Infinito Particular. Os samples, o jogo de palavras, o bucolismo, se encontram em meio a energia de uma Marisa que parecia se despedir da alta rotação que exalava em trabalhos anteriores. Era o primeiro sinal de uma MM que agora seguiria o caminho inverso, indo de encontro às raízes, e dava seu último suspiro experimental. No Universo ao Meu Redor chega ao caminho que trilhou através do Infinito Particular e se reinventa na cadência do Samba. Ela volta às raízes, do que para ela sempre foi o Universo, e faz samba ao seu modo, mas com as bênçãos da Velha Guarda da Portela que a viu crescer. Ao que soa, Marisa se desnudou e resolveu não mais fazer média com a indústria fonográfica, ela agora poderia se dar ao luxo de ser o que quisesse e cantar o que sentisse. 

E foi no Infinito Particular que eu me reencontrei com a beleza da vida e suas sutilezas: eternidade que não depende de calendários ou relógios. Durante o encerramento das Olímpiadas do Rio, a interpretação de Mariene de Castro foi primorosa, mas foi apenas o gatilho para que eu retornasse ao CD da capa preta minimalista e desse play na última faixa. Pelo Tempo Que Durar é uma composição fruto da parceria Marisa Monte/Adriana Calcanhoto, e assim como elas, é envolta de poesia, sutileza e doçura. O som do koto suaviza uma letra que de tão profunda dói. Dói porque como eu já falei anteriormente, não sabemos lidar com os fins e muito menos entendemos os recomeços.

Somos os seres do hoje, do fast food e do imediatismo. Choramos e não aceitamos quando os nossos se vão, seja para o outro plano ou para seguir em outra direção. A gente não suporta fim de relacionamento e tem medo de mergulhar nos mares de um novo amor. Somos seres castrados pelas nossas dores, experiências e lembrados pelas cicatrizes. A gente fecha os olhos para a efemeridade e só aguça os sentidos para a matéria. Nos permitimos pouco, nos preocupamos demais. Amamos com CEP e esquecemos de amar a alma. Queremos e sonhamos com uma vida algébrica, onde tudo tem de corresponder e onde letra vira número. Parecemos esquecer que no final, senão tivermos amor, seremos só estatística.

Coisas vão se transformar
Para desaparecer
E eu pensando em ficar
A vida a te transcorrer
E eu pensando em passar
Pela vida com você

Com a nossa mania de forçar a barra para a racionalidade que não temos e com a inibição de sentimentos que tendemos a querer esconder, perdemos ou corremos o risco de perder momentos únicos. Seja as adolescentes borboletas no estômago aos mais adulto dos prazeres. A gente pensa demais, a gente se exige demais. A gente se apega ao que passa, mas se esquece de amar ao que fica. Até porque, no final de tudo, o amor é o que fica

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