segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Caetano Veloso| Rapidez



Os dias passaram e as férias acabaram. Junto com tudo isso veio uma ressaca criativa, um atropelo de pensamentos e uma fadiga de escrita. Não sei. Não veio nada mesmo, nem uma palavra na mente para dizer um oi. As ideias estavam distantes do jorro e bem perto de um silêncio ensurdecedor. Deixei para lá e fui dormir esperando ter algo para dizer a mim mesma, porque antes de qualquer coisa, eu escrevo para mim. Sim, escrevo para organizar as ideias e entender meus próprios sentimentos. Sabe as vezes, quando o turbilhão toma conta, eu sinto a necessidade de transcrever tudo, é como se cada flash de memória ou extensão de pensamento ganhassem formas, curvas e sombras. Eu escrevo para desanuviar a mente.

Me acostumei com a inércia das pessoas, fazer tudo no meu tempo e ditar meu próprio ritmo. Sempre foi assim. Acho que foi um lugar tão natural na minha vida, a posição de responsabilidade e de ditar ritmos para os que estão comigo andarem, que bateu um cansaço. Não sei se você me entende, leitora ou leitor, mas eu peguei abuso de me enfiar em relações em mão única. Chega uma hora, que mesmo que você seja um ser muito seguro de si e muito cheio de “eu mesmo”, você vai sentir a necessidade de parar e perguntar “o que eu faço agora? ”. Pois bem, não sei se foi reflexo de todas as rasteiras que o universo me passou, ou se é uma fase, mas meu ar imperativo deu tchau.

Das coisas da vida que mais me trouxeram fascínio e desnudaram reais belezas para mim, essa permissão de enxergar o “eu mesmo” nos outros. Tem pessoas que tem isso em si, chegam e roubam todo ar por onde andam. Exalam personalidades únicas e intempestivas. São de uma astúcia alucinante e de uma aura fugaz. É gente de rapidez lucina.


Meia Lua Inteira sopapo
Na cara do fraco
Estrangeiro gozador
Cocar de coqueiro baixo
Quando engano se enganou...


Para essas almas envoltas no 220v e que me deixam sem saber a próxima palavra a dizer, eu dedico os astros. Em 1987, no disco Estrangeiro, Caetano Veloso trabalhou com um verdadeiro squad e nos presenteou com uma obra feita a 6 mãos, juntamente com Peter Scherer e Arto Lindsay. Em 9, das 10 faixas do álbum, a percussão esteve sendo orquestrada por Naná Vasconcelos ou Carlinhos Brown, eixo Recife-Salvador que deu o tom certo e cercou o trabalho de originalidade e ritmo. Mas foi justamente a nona música que me trouxe para esse texto, uma letra e arranjo de Brown que, para mim, definem com sons alegres essa sensação de mergulho de apneia que essas pessoas causam.

Meia lua inteira é uma música de Carlinhos Brown, e que também teve uma regravação interessantíssima do Chiclete com Banana nos anos 80, porém na minha memória musical é a voz de Caetano que sempre rodeia. Não sei se são os jogos de palavras, o ritmo ou as duas coisas juntas, o certo é que tenho sempre a sensação de levar uma rasteira e ficar admirando o céu de boca aberta. Não é uma daquelas músicas cheias de “pra que isso” e significado, é coisa que remete a roda de capoeira onde algum bobo vai rodar.

Tem pessoas que a gente olha e são translúcidas, enxergamos com clareza e sabemos o próximo passo. Mas outras são enigmas ambulantes, nos deixam perdidos no meio da roda e nos passam o “rodo” sem nem sentirmos. Saem e não vimos nem de onde vieram. É gente que passa, toma as palavras e somem antes que você possa sonhar em responder.

Mas sejamos bem sinceros, tem momentos na vida que quase pedimos para levar essas porradas, não é? Principalmente quando sabemos que parte de nós ficou inerte, ou quase morta durante algum tempo. É quando a gente se joga no trilho sabendo os segundos que faltam para o trem passar. É loucura para gente consciente do que é a dor.
                      


PS.: Essa música, esse texto e minha mente, que são esse eterno ajuntamento de delicadeza e pulsão, vão dar forma, corpo e alma para esse EU visceral em mais dois textos. No total serão 3 textos, 3 canções e um EU traduzido e interpretado por mim. Rapidez é a forma, o jeito, a nuance que me inquietou a escrever esse texto. A pessoa elétrica a quem agradeço por sempre me deixar sem saber o próximo passo, a próxima palavra e me render bons momentos de escrita e canções. 

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