terça-feira, 5 de julho de 2016

Off Topic| O palco das redes sociais e o ativismo caça likes


As redes sociais têm evidenciado as vaidades pessoais de alguns sujeitos em meio às lutas por demandas das minorias. Não estou aqui escrevendo para tomar o lugar de fala de ninguém, sei muito bem que dentro dessas discussões sem rumo que tomam espaço na internet minha posição de mulher branca e cisgênero levantam logo a fala: “Mas você tem lugar de privilégio na sociedade”. E quem disse que eu estou falando que não? Sim, antes continuar com esse texto tenho que deixar claro qual é meu lugar de fala. Como já diria o filósofo e historiador francês Michel de Certeau, quando escreveu sobre estudos da religião, “Eu sou um jesuíta falando de dentro da Companhia de Jesus”.

Sim, eu não faço ideia do que é sofrer preconceito por conta da minha cor da pele, mas não tenho o menor orgulho dentro de mim em afirmar isso. Eu não sei o que é ser seguida dentro do supermercado pelo segurança, eu nunca entrei em uma loja onde não fui prontamente atendida. Minha culpa? Não, culpa de uma construção social nefasta e arraigada no que há de pior na história humana. Mas é importante que eu exponha os privilégios que essa sociedade doente jogou em meu colo, porque a todo momento que tento lutar contra isso recebo por parte de alguns a frase, “mas você é uma mulher branca e cis...mulher branca e cis...mulher branca e cis...”.

Ok, eu já entendi. O que talvez as pessoas não entendam é o quanto toda essa falácia vem por terra quando esse meu privilégio de branca cis entra em conflito com minha orientação sexual. Nesse momento a sociedade me joga para o final da fila. Mas estou aqui deixando logo essas lacunas fechadas para seguir a linha de raciocínio. E preciso deixar claro também que eu sei que há uma necessidade de especificação das causas, até porque existem múltiplas experiencias. Por exemplo, eu nunca vou ter a mesma experiência que as mulheres negras, essa é uma luta protagonizada por elas.  

O ponto a ser problematizado aqui é simples: por que as redes sociais têm se tornado palco para tanto show travestido de ativismo? Não estou aqui para julgar a relevância do ativismo de ninguém, mas em meio ao bombardeio de “textões” dissonantes acredito que exista uma necessidade da volta para o básico: a teoria.

Esses dias a briga (porque para mim discussão é outra coisa) vem girando em torno do que é legitimo ou não dentro das demandas feministas. Sabe aquelas frases “disso as feministas não lembram” “sobre isso as feministas não falam” ? Pois bem, é sobre essa construção de ideia, fomentada pelas pessoas que querem desguarnecer a fala do movimento feminista, que precisamos tratar.

Em 1998, a professora Doutora Maria Clementina Pereira Cunha teve um artigo publicado pela revista Tempo, um periódico da UFF. Esse artigo intitulado De Historiadoras, Brasileiras e Escandinavas: Loucuras, folias e relações de gêneros no Brasil (século XIX e início do XX), faz uma análise coerente sobre os estudos da História das Mulheres e as discussões dos estudos de gênero.

A autora começa contextualizando o Movimento Feminista em meado dos anos 70 do século XX, momento em que a militância teve um grande fortalecimento e número. Pois bem, Clementina - que é uma historiadora exemplo para mim em todos os sentidos - escreveu como o ar de entusiasmos aflorava no movimento feminista setentista, e trazia com suas demandas o surgimento de segmentos de imprensa voltados para a divulgação das ideias dos grupos. Além disso, foi um momento de muito simbolismo por trás das famosas queimas de sutiãs e afirmação dessas mulheres como sujeitos coletivos. Enfim, não é bem sobre essa parte do texto de Clementina que irei me debruçar, mas sim na continuação, quando ela desnuda a face das mulheres que não estavam às vistas do Movimento Feminista naquele momento. Ela ressalta uma matéria de um dos jornais da época, o Nós mulheres, que mostra a vida de uma mulher em sua terceira passagem por hospitais psiquiátricos da cidade de São Paulo.

Uma mulher internada e tida como louca por “não ser boa esposa”, que se culpava por não “cumprir seus papéis de esposa” ou ter de fazer isso de maneira forçada. Ela é o retrato das mulheres fora da curva, aquelas que até nós, as feministas, ainda temos dificuldade de abarcar as suas demandas. Sabe a frase “se seu feminismo não enxerga inclui...”? Pois é, nosso feminismo anda discutindo mais a exclusão que a inclusão de demandas. Estamos vivendo um momento de rachadura em uma estrutura que deveria ser inclusiva.

Estamos nos fechando em nossas caixinhas de demandas pessoais e esquecendo o sentido de coletividade. Sim, como a própria Clementina ressalta em seu belíssimo texto, as mulheres têm diferentes experiências, e por isso o tratamento teórico do tema deve ser bem plural. No entanto, isso não pode ser confundido com separação, apartamento de pautas. Não aprendemos nada com o sentido de classe? E só para deixar claro, eu sou da História Social.. aqui tem Marx, Thompson. Me desculpe, mas não estamos aqui para mentir.

Os mais “entendidos” do tema podem me apedrejar, inclusive por trazer para essa discussão o sentido de classe. Sim, mais uma vez, o sentido de classe em Thompson. Parece bem repetitivo da minha parte, mas só vou parar de falar nele quando ficar entendido que fazer parte de uma classe nada mais é que se enxergar no outro. Claro que as múltiplas experiências tornam isso mais complexo, mas a experiência de ser mulher dentro de um contexto machista e misógino já poderia ser o suficiente para deixar de lado a marmotagem dos “closes” e deixar as vozes das manas ecoarem.

É simples, para algumas pessoas o ativismo se tornou uma forma de afirmação social. A visibilidade que a rede social dá e a forma com que alguns grupos usam pessoas como estandartes, vem fazendo com que se forme um campo de batalha. Nesse chamariz de oportunistas, temos homens que bancam de desconstruídos para mascarar o machismo caviar que vem em embalagem de HeForShe e, claro, também temos mulheres que permanecem com a cabeça nas lutas dos anos 70. Enfim, tem lugar para todo mundo ganhar like, gerar polêmica e fazer textão.

Ao mesmo tempo, eu vejo pessoas com discursos coerentes, mas que se assustam ao ter que se expor aos leões do ativismo caça níquel. Não sei onde isso tudo vai parar, mas imagino os caminhos que estão tomando. Nesses momentos penso na minha avó, Dona Alice Eugenia. Mulher criada no interior do estado de Pernambuco e que teve sua vida marcada por muitas viagens para a capital, apenas para ser internada nos hospitais psiquiátricos. Minha avó nasceu em uma família humilde, mas foi além do seu tempo ao iniciar a alfabetização de crianças na região da Serra da Passira. É professora aposentada, e nada leu sobre feminismo na vida. Mas foi com ela que recebi algumas lições.

Minha avó, assim como a mulher relatada no texto de Clementina, foi internada diversas vezes por seu próprio marido. A culpa também recaía sobre ela, a histérica. Minha avó tinha que lidar em silêncio com a perda da filha mais velha, morta em um atropelamento. Ela não tinha o direito de sentir, ela apenas teria que passar por cima do fato e seguir sendo uma esposa “presente”. No auge de sua depressão, ela teve de lidar com a gravidez e posteriormente com os tratamentos psiquiátricos.


Me pergunto: o que faz da minha avó e outras mulheres escondidas em meio a esses discursos, menos parte e cara dessa luta? Será que a gente está realmente preocupada em lutar pelas demandas como um grupo ou só estamos querendo seguidores no Facebook? Será que estamos mesmo colaborando para o fortalecimento e efetivação das lutas por igualdade de gênero, ou queremos amaciar nosso ego? Eu também me faço essa pergunta todos os dias que penso e me questiono sobre o que me faz ser feminista. Esse texto é um exercício pessoal de autocritica. 



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