Alguns momentos na vida
são únicos, é um caminho luminoso, uma ida sem volta. São passagens em uma
longa jornada nessa trilha chamada vida. Mas independente das circunstâncias,
tudo é aprendizado, tudo é valido, desde que seja para o aprendizado. O crescimento
pessoal não vem nos momentos fáceis, ou enquanto relaxamos no sofá. O
crescimento e o entendimento existencial vêm das diferentes e turbulentas
nuances da nossa vida. Em meio a elas encontramos nós mesmos.
Não posso nem datar o
momento em que a musicalidade de Zé Ramalho entrou pela primeira vez nos meus
ouvidos. Ouvi-lo sempre foi algo
diferenciado, não a nada de comum nos clássicos compostos por ele. Mas toda
essa experiência é levada a outro nível quando o assunto é Avôhai.
Tendo surgido de uma
experiência com cogumelos alucinógenos ou não, a verdade é que essa canção,
seus símbolos, seus signos só podem ter lógica para quem de alguma forma
encontrou seus próprios sentidos.
Um velho cruza a
soleira
De botas longas, de
barbas longas
De ouro o brilho do seu
colar
Na laje fria onde
coarava
Sua camisa e seu
alforje
De caçador
Em janeiro desse ano,
mais exatamente na manhã do sábado dia 30, eu tive um desses encontros. Ele
cruzou a porta do hospital usando uma camisa verde e óculos aviador. Ele tremia.
Abraça-lo foi uma das coisas mais fortes e intensas que já me ocorreram. O
momento era sem dúvida o mais difícil de nossas vidas. Eu no início da jornada.
Ele um experiente viajante.
Falamos sobre toda
sorte de coisas. Sobre suas viagens, andanças fotográficas. Sobre arquitetura,
urbanismo. Falamos sobre o Ocupe Estelita e fizemos os minutos passarem mais
leves. Mas ele estava ali pois ansiava por um reencontro, eu esperava para
tocar por uma das últimas vezes o ele que nos uniu nessa corrente chamada vida.
O brejo cruza a poeira
De fato existe
Um tom mais leve
Na palidez desse
pessoal
Pares de olhos tão
profundos
Que amargam as pessoas
Que fitar
Do filho ficou a saudade, o
aprendizado para toda a vida, a esperança do reencontro, a gratidão pelo amor
incondicional. Do pai tenho o afeto, o carinho, a partilha de ideais. A trinca
se formou, para nunca mais deixar de existir.
Avôhai, o avô e o pai. Só se
entende o filho que encontra com o pai. Só poderia amar o filho o que ao
encontrar também amou o pai. Eles eram um só. Um só EU intempestivo, rápido,
ligeiro, sensível, vibrante. Dos seres apaixonantes. Uma alma em dois seres.
Avôhai, não pode transferir dor. Para mim, o senhor do abraço tímido e tremulo
sempre será um símbolo de transferência de amor.
Para José Roberto Gomes, Avôhai.
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