Nos últimos meses tenho ouvido muita coisa dos
anos 60 e 70, não sei bem porque, mas o efeito disso na minha visão e audição
musical tem sido devastador. Um verdadeiro nirvana. As proporções disso
reverberam para todos os lados, desde as concepções estéticas, passando pela
visão da contracultura e parando na crítica. E como ser humano critico que sou,
não poderia ser alheia a mudança musical de Gal e, principalmente, o que
aprendemos com isso. Nada? Acho que nos diz muito sobre nós mesmos.
Então,
Gal, assim como Rita Lee, foi participante do Tropicalismo enquanto movimento,
o que não foi o caso de Maria Bethânia, por exemplo. Partindo disso,
revolucionaria séria uma definição para ela. Voltando mais um pouco, Gal bebia
da Bossa Nova, era seguidora de João Gilberto e antes do Movimento Tropicalista
era do banquinho e violão. Mas o final da década de 60 trouxe o que havia de
melhor dela. Gal foi Gal.
A cultura, a civilização
Elas que se danem
Ou não
Somente me interessam
Contanto que me deixem meu licor
de jenipapo
O papo.
Além da participação no álbum Tropicália ou Panis et Circencis, em
1968, ela lançaria no ano seguinte os discos Gal Costa e Gal, ambos de
69, e que são disparados dois dos melhores trabalhos de um artista da música se
eu listasse aqui 10 álbuns. O segundo, Gal,
é sem dúvidas um disco de total rompimento estético e provavelmente um dos
melhores discos de psicodelismo da música brasileira – na minha modesta opinião
é o melhor do Brasil e estaria na minha lista psicodélica mundial- ouçam a
interpretação dela para Cinema Olympia,
de Caetano, e mandem todo resto para puta que pariu.
O Gal
é como uma viagem maluca, da qual você nunca quer voltar, você desaprende o
caminho de casa, ou seria como desaprender sobre todo conceito de musicalidade que
você concebeu anteriormente. É um clássico.
Das noites de São João
Somente me interessam
Contanto que me deixem meu
cabelo belo
Meu cabelo belo
Como a juba de um leão
Contanto que me deixem
Ficar na minha
O
engraçado é que a música Cultura e Civilização,
de Gilberto Gil, que é a terceira canção do álbum, é quase uma profecia
contraria a tudo que Gal viria a se tornar como interprete, musicista e figura
pública. A música é um manifesto à liberdade, um hino da Contracultura
setentista. É como uma promessa da jovem Gal. Tudo vão. Tudo oco. Tudo
temporal.
A
verdade é que os trabalhos fodasticos de Gal Costa estavam datados. Em 1976, o
lançamento dos Doces Bárbaros selaria
o final de um ciclo para Gal e, tristemente, para a música de bandeira que ela
carregava. Música de bandeira é como eu chamaria o trabalho musical daqueles
artistas que estavam para além das canções, na verdade, as canções eram
manifestos, seus corpos eram parte de uma revolução e suas vozes instrumentos
de um movimento. Essa Gal morreu ali.
Eu
sempre brinco que foi Djavan a causa da morte, mas na verdade Gal é um retrato
que se repete. Se reproduz na vida, quando vemos o quanto nos acomodamos.
Sabe-se lá o Eterno o porquê que ela abriu mão de ser um gênio da MPB para se
tornar uma Gal burocrática – tenho lá minhas sugestões sobre isso- mas a
verdade é que quando brinco sobre ela estou mais para o desespero. Gal e o
definhar de sua carreira é como o espectro de partes de nossas vidas.
As
vezes na vida nos acomodamos com as migalhas, sendo que seriamos capazes de
alcançar os banquetes. Não sei, tenho medo da vida que perde o sentido, tenho
medo do comodismo, sinto pavor da pena. Por esses dias eu estava matutando
sobre o quanto estamos acostumados a achar que deitar e dormir no berço esplêndido
é o ápice da vida.
Por
exemplo, preferimos a suposta segurança de relacionamentos falidos,
simplesmente porque nos acomodamos e achamos que não pode haver nada além
disso. É como requentar o feijão de ontem. Temos medo do incerto, assim como
temos medo do escuro. Temos pavor do recomeço, seja com 24 ou 50 anos. E dessa
forma, vamos empurrando com a barriga, comendo nosso feijão requentado de cada
dia. No final das contas, é mais cômodo filosofar sobre as supostas verdades do
tempo do que tentar ser feliz plenamente. E nisso, caros amigos, somos como Gal,
achamos que já fizemos tudo e agora podemos ficar vendo a vida passar, em meio
a nossas próprias negações e cuspindo no nosso passado. Por favor, em honra a
GAL revolucionaria que existe em nós, não aceitemos as migalhas. Queiram o banquete,
mesmo que ele custe o maior foda-se de nossas vidas. É dessa Gal que eu gosto.
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