Se a vida fosse seguir a
linearidade que a maioria parece esperar, tudo seria mais sem sabor, sem graça
e óbvio. O bom da vida é o inesperado, o fato que entra sem bater e que não manda
aviso prévio. De certa forma, são os medos e as inconstâncias que nos levam a
valorizar momentos. Quantas vezes já não deixamos passar a oportunidade de
dizer “eu te amo” ou “sinto saudades de você”, pelo simples comodismo de achar
que sempre teremos a pessoa lá? No
fundo, somos seres movidos pelas emoções, pelos sentimentos, e o medo é um
deles. Se um dia você perder o medo de não ter mais alguém em sua vida ou a
gana de ver um projeto dar certo, então a vida perdeu o sentido.
A gente às vezes se pega
aprisionado ao comodismo, aceitamos ter uma vida “ok” porque parece ser mais
complicado colocar a cara no sol, se indispor com o mundo e arriscar ter uns
tropeços na busca pela felicidade. Dessa forma, deitamos em nossos berços esplêndidos,
que na verdade não passam de camas bem forradas com nossa hipocrisia de nos
escondermos por trás do que é socialmente aceitável. Grande porcaria. No final
do dia quem vai ter de dar conta das frustrações e da dor dos risos forçados é
você, então para que vivemos a superficialidade das relações? São aquelas
pessoas que deixamos de contrapeso na nossa vida, como se fossem objetos de
decoração, e que a qualquer momento podem nos servir nem que seja para a
fotografia. Até quando a vida tem de ser pautada nessas superficialidades? Até
que momento vamos, como seres humanos, suprimir nossas vontades e sonhos em
nome do malfadado senso de urbanidade? Um foda-se faz tão bem quanto um eu te
amo em uma manhã de sábado.
Tudo isso dito, o fato é que nesse
percurso que trilhamos entre o medo e o prazer terminamos por nos deparar com
os acasos. A gente até que planeja não repetir velhas receitas, principalmente
aquela receita do bolo que solou. Mas se
tudo fosse linear e certinho, essa vida seria monástica para todos. Como já
diria um odiado poeta - que eu particularmente admiro - eu gosto é do estrago.
Não tenho tempo para mesquinharia, comigo sempre foi na base da intensidade.
Não sei dizer que gosto, a minha vida
é bem arregaçada entre os extremos amor e ódio. Se eu sinto falta de uma vida
certinha, aquela vida “serviço público concursado”? Às vezes. Mas algo me leva
até os caminhos mais difíceis e, vou ser bem sincera, eu adoro viver nesse
turbilhão. Nos momentos de tristeza, são minhas pequenas loucuras que me deixam
vivíssima. Eu sou o louco brincando na beira do abismo.
Viver é um constante convite
para quebrar a cara e se for de outra maneira não tem graça. Entrar na minha
vida, por exemplo, requer de qualquer pessoa a disposição de mergulhar em um
mar bem revolto. Até porque quem de nós não tem seus fantasmas de estimação,
que movimentam nossas mentes e de alguma forma as moldaram? Nunca saímos ilesos
de relações, nunca.
Welcome to my earth
It's a crying shame
We have built a foolish
world
Busy fighting, cruelly
lying and denying
Ghost, uma
das faixas do álbum das Ibeyi, é a crônica de quem vive dessa intensidade. A
vida soa como esse eterno “deixa entrar e vamos ver o que acontece”. As irmãs franco-cubanas,
que já se tornaram uma constante na minha vida, cantam o que para mim não é
música, mas sim estado de espirito.
Às vezes eu paro para pensar
como determinadas pessoas entraram na minha vida, e sempre vejo o quão surreal
e improvável algumas dessas “entradas” parecem. O melhor é perceber que todas
têm ou tiveram um papel de cura, muitas vezes recíprocas. Isso é doloroso na
maior parte do tempo, porque requer colocar nossas dores de lado para beijar as
feridas dos outros, mas de alguma forma também nos cura. E quando se trata de
um relacionamento, onde existe uma paixão, se torna ainda mais intenso. Eu
tendo a me apaixonar pelas dores das pessoas.
Now you can feel my
heart spinning
You turn my whole life
around
I want to write a new
beginning
Let go of the ghosts
Let dreams and hopes
fly
And give our love
another try
Should we just let it
be?
Make love to me
Existem coisas inevitáveis,
por mais que se racionalize e se acredite que de alguns “problemas” nós podemos
fugir, mas experimente se apaixonar por alguém não pela aparência ou pelo que o
físico te oferece. Quando você se encanta pelos caminhos que essa pessoa
trilhou até chegar a você é como se a sua mente se iluminasse. Eu não sei se
sou boba demais, mas o bonito mesmo é a conexão de almas, não no sentido além
da vida, mas quando duas mentes se entendem e sentem juntas, são intensas
juntas. Sejamos sinceros, sexo é bom, mas querer fazer amor com alguém é outra
coisa. Não é querer a rapidez do prazer de uma noite bêbada, é ser lento para
aguçar cada sentido. Isso a gente só tem com quem se dispõe a sentir nossos
sorrisos na nuca e a beijar nossas lagrimas silenciosas.
O estado de espírito de quem
ama é simples: é se apaixonar perdidamente todos os dias pelos pequenos gestos.
É saber que o outro tem suas cicatrizes e dores advindas de outras relações, e
por isso querer beijar sua testa no meio da noite e dizer que vai ficar tudo
bem. É cuidar, principalmente quando somos nós que erramos e causamos a dor.
Amar é saber pedir desculpas, admitir que errou e se predispor a tentar
recomeçar, não para simplesmente manter uma relação de fachada, mas
porque machucar quem você ama dói mais em você, porque é um contrassenso. Amar
não é querer decidir pelos dois, mas os dois decidirem como um só. É fazer
planos sem nem ter ideia de como eles podem se tornar reais. É, como diriam os
nativos de língua inglesa, fall in love
hard for you quando ninguém mais enxerga você. Mas tudo isso não faz parte
de uma prescrição médica ou uma receita de bolo, logo não pode ser igual para
todos.
Now you can feel my
heart spinning
You turn my whole life
around
I want to write a new beginning
Let go of the ghosts
Let dreams and hopes
fly
Enfim, existem pessoas que tem
esse poder de querer fazer a gente parar o tempo em um abraço ou perder o sono
porque sentimos falta de um olhar. Se você não vive um relacionamento que te
faz acordar todos os dias pensando que isso tudo é um sonho, e sentir medo que
ao acordar nada tenha existido, então qual o sentido de ficar nele? Eu gosto
mesmo é de ter medo. Medo de perder, porque é o que mantém aquela eterna
vontade de escrever coisas bobas na hora do trabalho e enviar aquela mensagem
com um sorriso besta no rosto. É o presente sem data, é o jantar sem motivo numa
quinta-feira, é a vontade de contar sobre o dia e os post-it espalhados pela
casa com um simples “eu estou apaixonada por você”. Talvez eu seja bem piegas
por gostar de tudo isso, mas é meu estado de espírito, não sei ser de outro
jeito. Se não é para sorrir como boba enquanto admira a pessoa amada e não
querer dormir porque sente falta daqueles olhos, então é melhor não trocar
status de relacionamento em redes sociais só para fazer média com o público. O
bom de amar é ser vulnerável, não vale a pena amar usando armaduras. Amar é se
rasgar e não ter vergonha das cicatrizes.
1 comentários:
Maravilha! Uma entrega esplendorosamente humana.
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