Como eu sempre digo, a gente
sempre pode reciclar o papel de trouxa. Podemos fazer origamis ou escrever um
livro. E se nossas paixões cercadas de platonismo ou grandes quebras de cabeças
pudessem ter uma trilha oficial, ela seria na voz de Janis Joplin. Piece of my heart é o hino e um murro no
meio da cara.
Didn't I make you feel
like you were the only man? yeah!
An' didn't I give you
nearly everything
that a woman possibly
can?
Honey, you know I did!
Não adianta, por mais que eu possa
tentar ser racional, existe algo que me atrai para o desconhecido. O descobrir,
o tatear no escuro, é onde habita toda minha intensidade. Mas por vezes a
decepção ou a impossibilidade é o que se encontra por lá. Essa coisa de ser sutil
como uma panda gigante, como eu já mencionei uma outra vez, traz uma permissão
de quebra de mim mesma, porque por ser esse tufão de sentimentos, eu acabo
deixando com que as pessoas também levem pedaços de mim. E é sobre essa entrega
que a canção interpretada por Joplin fala.
A primeira versão da música Piece of my heart foi gravada em 1967,
por Erma Franklin -irmão mais velha da Rainha Aretha- e não tem nem de longe o
efeito orgástico da cantada por Janis Joplin. Em 1968, a banda Big Brother and
the Holding Company, que tinha Janis no vocal, elevou o nível da canção a uma
potência estratosférica. É um som para amor de entrega total, não é música para
romance de sorveteria.
You're out on the
streets looking good
And baby deep down in
your heart
I guess you know that
it ain't right
Never, never, never,
never, never
never hear me when I
cry at night
Babe, and I cry all the
time!
Janis se mostrava feroz nos
vocais, mas a letra que ela canta é quase um grito de socorro. Quantas vezes na
vida nos deparamos com pessoas assim, que se mostram como feras indomáveis, mas
que na verdade são pássaros de asas quebradas, bichinhos acuados em meio às
decepções e agruras da vida. Na linguagem de hoje, Janis séria um “close” de
alguém que não queria ter de enfrentar a vida de peito aberto, de tanto que a
vida já teria lhe derrubado.
Às vezes tentamos imaginar o
que molda as dores dos outros, mas nenhuma abstração pode revelar essas
experiências individuais. A empatia não é o suficiente. Eu sou um turbilhão de
sentimentos, também fui moldada em meio às lágrimas, e de certa forma tudo isso
se transformou em uma vontade de proteger as pessoas. Eu me preocupo muito,
daquelas preocupações de querer colocar as pessoas em vidrinhos e levar comigo,
o que soa totalmente sem noção da minha parte. Eu assumo minhas insanidades. No frigir dos ovos, eu me apaixono também por essas dores.
E quando me permito ser
quebrada, eu vejo e eu sei o que está acontecendo ao meu redor, mesmo quando a
sobriedade não é bem o meu estado de consciência. Então deixe eu dizer uma
coisa: eu não vejo o que não me interessa. Simplesmente porque eu não sou a
pessoa de momento, eu sou uma construção. Eu gosto mesmo é de admirar. Eu não
vou sair por aí distribuindo beijos enquanto minha mente estiver ocupada em uma
pessoa. Eu sou piegas mesmo e não me envergonho disso.
Pense comigo, existe algo mais
lindo do que um cérebro repleto de ideias que fazem você pensar: “poxa, que
foda?”. Não existe paixão maior do que admirar alguém e se fazer admirar
também. Acho isso imbatível. Nós até podemos nos encantar pela beleza, aquela
projeção de poder que emana do rosto e das feições de alguém, mas quando você
desbrava os pensamentos dessa pessoa é que se dá o grande encantamento. É nesse
momento, quando se conhece, sem as máscaras que a vida lhe obriga a usar, que
você tem a real noção do belo que existe dentro desse alguém. É quando
aceitamos dar mais um pedaço de nós para quem amamos.
But each time I tell
myself that I
well I can't stand the
pain
But when you hold me in
your arms
I'll sing it once again
Perceber que abrimos mão de
nós mesmos por alguém é uma coisa louca, porque muitas vezes isso pode soar
distante da nossa própria personalidade, mas a paixão deixa a gente de guarda
baixa. Por mais que sempre venhamos a nos sentir bobos em meio a todos esses
sentimentos, vamos pensar que deve existir um motivo para enxergarmos algumas
pessoas em especial. Assim essa música sempre vai ser um lembrete para nossa
capacidade de nos jogarmos nessas paixões insanas que a vida nos oferece, e que
sempre vamos deixar que levem mais um pedaço do nosso coração, se preciso for,
para manter esse sentimento vivo.
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