sexta-feira, 18 de março de 2016

Contracultura| Músicas de Aço para Tempos de Chumbo


Domingo, dia 13 de março de 2016. Fiquei aqui, de bobeira, nesse sofá no qual estou sentada agora a escrever. Foi um dia apático e eu não queria nada mais além de ouvir música e assistir futebol. Essa tal de depressão é uma escrota preguiçosa.

Nessa toada, saí escutando tudo que tinha direito. No sábado a Liebe/General Ana Seerig já havia me feito escutar Golden Boys, me tirando da inercia em que andavam meus dias musicais. Sim, eu estava há 2 meses ouvindo Ella Fitzgerald e Beatles. Não que isso seja motivo para me auto achincalhar, mas já estava matando minha curiosidade musical. Quando se passa tanto tempo ouvindo ases da história da música, você passa a achar que nada mais faz sentido, aquilo já é bom demais para ser trocado. E nisso seu pendrive fica nessa mesma pegada por meses.

Em meio aos acontecimentos do fatídico e depressivo dia 13, quase que instintivamente parti para o Youtube numa busca desenfreada para tudo que remetesse a musicalidade no Brasil entre os anos de 1968 e 1974. Então o que escutei o dia todo foram músicas de aço para tempos de chumbo.

Minha viagem progressiva começou por Mutantes, passou por Caetano, Gal, Bethânia e Secos e Molhados. Desaguou em Milton Nascimento, Macalé, Ave Sangria e Quinteto Violado. Os Novos Baianos, Alceu e o Som Imaginário também estavam lá. Tudo me levou para uma órbita diferente, onde a guitarra elétrica e os sintetizadores davam conta de toda força existente em forma de música. Foram anos loucos, onde tudo que foi produzido traduz exatamente o contrário do que se era exigido pelo governo ditatorial. Era um recado.
A semana tem passado, e estranhamente tudo se encaixa como peças de lego. Em meio a dias turbulentos na política nacional, só consigo pensar se as pessoas nunca ouviram essas canções, ou se sabem em que contextos elas foram feitas. Pois bem, foi para isso que estudei, para escrever narrativas históricas.

É uma narrativa simples, mas com cenas de terror. E peço, por favor, que sigam a ordem cronológica dos álbuns para perceber a musicalidade da tensão. O anjo da morte passou por aqui em 68, e sua jornada foi intensa e duradoura, 74 parece não ter terminado.

Acho apático, egoísta e de um retardo sobre-humano achar que “minha família viveu na ditadura e não aconteceu nada com eles. Era gente de bem, não bandidos”. Pois bem, fico feliz por sua família, eles não entraram na estatística das prisões, sequestros, torturas e desaparecimentos. Eles não tiveram dentes quebrados, corpos dilacerados e filhas estupradas por agentes “da lei”. Eles não tiveram de fugir com seus filhos pequenos para sobreviverem, não precisaram que seus filhos presenciassem seus espancamentos, e muito menos, que seus filhos crescessem órfãos de pais sem túmulos. E fico triste que você não possa perceber que mesmo não sofrendo tortura corporal a sua família sofreu o maior dos abusos, se tornou acéfala. A geração que viveu 68-74 e saiu de lá achando que tudo estava ok é uma geração que não estudou história, não porque quiseram, optaram, mas porque foram proibidos. Uma geração que teve a Filosofia trocada pela “Moral e Cívica” e acha que foi a mesma coisa. Uma geração que tem medo de receber um “Por que? ”. Faça um teste, tente questionar essas pessoas, o “por que? ” as cortam como punhal.

Eu cresci em uma dessas famílias que “nada de mal fizeram para apanhar da ditadura” e que muitas vezes desmerecem a luta daqueles que lá estiveram, na frente de batalha da democracia. E sinceramente, me sinto orgulhosa de que alguns elementos na minha formação me fizeram nadar ao contrário.

Sabe quando E.P. Thompson falou que a classe operária estava lá em seu nascimento? Pois é. O mitológico historiador inglês só queria nos dizer que começamos a lutar juntos quando percebemos o quanto temos em comum, como nossas experiências nos unem. Acho as vezes que fica difícil para alguns indivíduos conseguirem respeitar a luta alheia. Eu pareço ouvir meu Pai Tiago dizendo “Alice, se tem uma coisa que aprendi com meu pai e posso ensinar a você é, nunca desmereça a luta de ninguém e nunca esteja do lado dos opressores”.

Aprendam, jovens, esses álbuns não são feitos de músicas. Eles são feitos de manifestos. Não fiz esse post para exaltar músicos, cantores, produtores... fiz em honra de todos aqueles que ousaram sobreviver. Isso é música de sobrevivência. Ouça os riffs, na verdade eles são gritos.

Para José Roberto Gomes, por ter ousado sobreviver e por através de seu filho ter me ensinado tanto. Muito obrigado, Vô. A sua voz também pode ser ouvida em meio a esses manifestos.

https://www.youtube.com/watch?v=KIiwbHqtb7w TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENCIS 68


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