Domingo, dia 13 de março de
2016. Fiquei aqui, de bobeira, nesse sofá no qual estou sentada agora a
escrever. Foi um dia apático e eu não queria nada mais além de ouvir música e
assistir futebol. Essa tal de depressão é uma escrota preguiçosa.
Nessa toada, saí escutando
tudo que tinha direito. No sábado a Liebe/General Ana Seerig já havia me feito escutar
Golden Boys, me tirando da inercia em que andavam meus dias musicais. Sim, eu
estava há 2 meses ouvindo Ella Fitzgerald e Beatles. Não que isso seja motivo
para me auto achincalhar, mas já estava matando minha curiosidade musical.
Quando se passa tanto tempo ouvindo ases
da história da música, você passa a achar que nada mais faz sentido, aquilo já
é bom demais para ser trocado. E nisso seu pendrive
fica nessa mesma pegada por meses.
Em meio aos acontecimentos do
fatídico e depressivo dia 13, quase que instintivamente parti para o Youtube
numa busca desenfreada para tudo que remetesse a musicalidade no Brasil entre
os anos de 1968 e 1974. Então o que escutei o dia todo foram músicas de aço
para tempos de chumbo.
Minha viagem progressiva
começou por Mutantes, passou por Caetano, Gal, Bethânia e Secos e Molhados.
Desaguou em Milton Nascimento, Macalé, Ave Sangria e Quinteto Violado. Os Novos
Baianos, Alceu e o Som Imaginário também estavam lá. Tudo me levou para uma
órbita diferente, onde a guitarra elétrica e os sintetizadores davam conta de
toda força existente em forma de música. Foram anos loucos, onde tudo que foi
produzido traduz exatamente o contrário do que se era exigido pelo governo
ditatorial. Era um recado.
A semana tem passado, e
estranhamente tudo se encaixa como peças de lego. Em meio a dias turbulentos na
política nacional, só consigo pensar se as pessoas nunca ouviram essas canções,
ou se sabem em que contextos elas foram feitas. Pois bem, foi para isso que
estudei, para escrever narrativas históricas.
É uma narrativa simples, mas
com cenas de terror. E peço, por favor, que sigam a ordem cronológica dos
álbuns para perceber a musicalidade da tensão. O anjo da morte passou por aqui
em 68, e sua jornada foi intensa e duradoura, 74 parece não ter terminado.
Acho apático, egoísta e de um
retardo sobre-humano achar que “minha família viveu na ditadura e não aconteceu
nada com eles. Era gente de bem, não bandidos”. Pois bem, fico feliz por sua
família, eles não entraram na estatística das prisões, sequestros, torturas e
desaparecimentos. Eles não tiveram dentes quebrados, corpos dilacerados e
filhas estupradas por agentes “da lei”. Eles não tiveram de fugir com seus
filhos pequenos para sobreviverem, não precisaram que seus filhos presenciassem
seus espancamentos, e muito menos, que seus filhos crescessem órfãos de pais
sem túmulos. E fico triste que você não possa perceber que mesmo não sofrendo
tortura corporal a sua família sofreu o maior dos abusos, se tornou acéfala. A
geração que viveu 68-74 e saiu de lá achando que tudo estava ok é uma geração que não estudou
história, não porque quiseram, optaram, mas porque foram proibidos. Uma geração
que teve a Filosofia trocada pela “Moral e Cívica” e acha que foi a mesma
coisa. Uma geração que tem medo de receber um “Por que? ”. Faça um teste, tente
questionar essas pessoas, o “por que? ” as cortam como punhal.
Eu cresci em uma dessas
famílias que “nada de mal fizeram para apanhar da ditadura” e que muitas vezes
desmerecem a luta daqueles que lá estiveram, na frente de batalha da
democracia. E sinceramente, me sinto orgulhosa de que alguns elementos na minha
formação me fizeram nadar ao contrário.
Sabe quando E.P. Thompson
falou que a classe operária estava lá em seu nascimento? Pois é. O mitológico historiador
inglês só queria nos dizer que começamos a lutar juntos quando percebemos o
quanto temos em comum, como nossas experiências nos unem. Acho as vezes que
fica difícil para alguns indivíduos conseguirem respeitar a luta alheia. Eu
pareço ouvir meu Pai Tiago dizendo “Alice, se tem uma coisa que aprendi com meu
pai e posso ensinar a você é, nunca desmereça a luta de ninguém e nunca esteja
do lado dos opressores”.
Aprendam, jovens, esses álbuns
não são feitos de músicas. Eles são feitos de manifestos. Não fiz esse post
para exaltar músicos, cantores, produtores... fiz em honra de todos aqueles que
ousaram sobreviver. Isso é música de sobrevivência. Ouça os riffs, na verdade eles são gritos.
Para José Roberto Gomes, por
ter ousado sobreviver e por através de seu filho ter me ensinado tanto. Muito
obrigado, Vô. A sua voz também pode ser ouvida em meio a esses manifestos.
https://www.youtube.com/watch?v=Utly4DHH37o
Mutantes 68
https://www.youtube.com/watch?v=KIiwbHqtb7w
TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENCIS 68
https://www.youtube.com/watch?v=hwfbSzAdfto
Caetano Veloso 68
https://www.youtube.com/watch?v=-5LmgDVr6xg
Gal Costa 69
https://www.youtube.com/watch?v=w7l1IwYMGug
Gilberto Gil 69
https://www.youtube.com/watch?v=0BCyZeATaQo
Maria B. 72
https://www.youtube.com/watch?v=JlmmaqWrUUU
Novos Baianos 72
https://www.youtube.com/watch?v=uZrPdTffSWw
Quinteto Violado 72
https://www.youtube.com/watch?v=YKZ3tgYdPd0
Jards Macalé 72
https://www.youtube.com/watch?v=xpqbbmJ42yU
Secos e Molhados 73
https://www.youtube.com/watch?v=efg8Th__apc
Luiz Melodia 73
https://www.youtube.com/watch?v=Nzp3BGgNFjE
Som Imaginário 73
https://www.youtube.com/watch?v=ddDmEKE8ADU
Ave Sangria 74
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